sábado, 22 de fevereiro de 2014

Mãe é Mãe


Nisto de fotografar, em geral faço opções comodistas, que me permitam disparar no momento, sem necessidade de mais que não seja escolher o ângulo e focar. Seleciono, por isso, o “automático”.
Mas recordo os tempos em que teorizava e ouvia teorizar sobre a “prioridade à abertura” e a “prioridade à velocidade”, e os contextos em que se deveria escolher ou combinar uma ou outra. Uma seca.
E lembrei-me disto a propósito desta fotografia, onde a seleção do automático, sem mais, desfocou o rosto do meio, certamente por não conseguir estar sossegado face às emoções do momento.
 E descobri um tipo novo de prioridade, na forma de fotografia: o da Mãe que faz questão de dar prioridade aos Filhos, que se apaga a favor deles.
Esta foto poderia ser daquelas que não se escolheria para reter. Mas fica aqui porque pode e deve ser interpretada deste modo: a prioridade dada aos Filhos pela Mãe.
Uns sortudos, a Mónica e o Carlos. Uma Mãe de parabéns, a Paula.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Trilhos da alma


Não procura os mistérios no horizonte que se segue a cada curva, a cada desnível, porque é o horizonte, ele mesmo, quem a orienta e lhe preenche a alma e, por isso, nele se fixa. E o horizonte tem tudo, mas não mistérios para uns olhos que se encantam apenas com o seu próprio olhar. Sabe que encontrará as raízes da alma que cuidará, lavando-as e regando-as. Mas apenas as raízes. Porque alma já havia e bem cuidada, apenas a exigir-lhe que suba e cuide das suas raízes, pois é ali que uma força da natureza se encontra presa, voluntariamente presa. Por isso se solta e regressa, mas despedindo-se com um até já.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Cessei?

Arquiteta de formação, a minha amiga retratou-me assim, na forma de um apelo. Hoje relido, recordo ser tido por pessoa complicada, porque permanentemente insatisfeito e exageradamente exigente. A começar por mim. Cessei?

Remexendo no baú...

Pouco depois voltava para Lisboa. Mas as dificuldades eram muitas para ir além de uma boa ideia.

Utopias?

 


Havia cor, gritos de alma, solidariedade, mobilização, valores. A direita reacionária não se atrevia a mostrar os dentes, como o faz agora. Mas ao longo do tempo perdemos gás, baixámos os braços, acomodámo-nos.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Abraço

Foto em Óbidos
 
Foi o prenúncio de um abraço, daqueles abraços em que sentimos que nada fica fora do nosso abraço, ainda que breve. Um abraço que começa na franqueza de braços bem abertos, ao nosso encontro, até nos envolverem, sem que fique nada fora de nós.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Hoje como ontem...

Até então, não tinha ido além de Ayamonte, ida e volta no mesmo dia. Era o tempo as férias em Pêra e do pirex em Espanha. As irmãs Lima iam ao pirex, eu e o Asdrúbal seria o que fosse. Desse tempo perdurou durante anos, como decoração do meu quarto, uma raquete de ténis, de liga de alumínio, e ainda tenho o D Quixote e Sancho Pança em madeira. Claro que isto com a ajuda de uma cunha na PIDE de Portimão, pois sem papelinho nada feito para quem estava em idade de cumprir serviço militar e se podia pirar.
Também até então, dormidas fora de casa ficavam-se pelos acampamentos na Serra da Estrela, na Lagoa de Albufeira, no parque de campismo de Escaroupim, no quintal do Lelo…
Desta vez fazia a minha estreia de avião a caminho de um hotel em Zurique, com o pretexto de um estágio profissional na mais importante resseguradora suíça. Tirei o passaporte, comprei um fato de bombazine bege, uma pasta nova, uma mala para o porão. E tudo corria bem até ao controlo de entradas do aeroporto de Zurique. Passaporte em ordem, mas o bilhete da viagem só compreendia a ida e não o regresso.
De nada serviu jurar que ia fazer um estágio de 15 dias, que depois entraria de férias com saída em direção a Dijon, podendo acontecer que me viessem buscar e que, a não ser assim, sairia de Zurique por comboio. Porque era mesmo assim que as coisas estavam definidas: sair para Dijon, depois Nice e a seguir Roterdão. Uma coisa em grande para a minha primeira saída a sério.
Mas nada feito, apesar da minha insistência, apesar das minhas juras. E fui mesmo obrigado a comprar no aeroporto, acompanhado por um polícia, um bilhete de regresso a Lisboa, porque nem sequer aceitavam um para França.
No aeroporto era esperado pelo André que não conhecia e que fora indicado para meu tutor durante o estágio. E que ficou amigo para uma vida. Sabia o meu voo, perguntou por mim pela instalação do aeroporto, mas não dei por nada, embrulhado que estava naquela bem esquisita trapalhada.
Chegado ao hotel Bellaria, tinha uma mensagem. Dei-lhe seguimento e, pouco tempo depois, estou em casa do André. Caras incrédulas face ao que relatava.
A permanência de 15 dias permitiu-me defrontar outros episódios da mesma natureza, de xenofobia, mas não no hotel, nem no local de estágio.
Mas tudo se passou há 40 anos, há muito tempo. Mas se recordo isto é porque houve um referendo na Suíça, com os resultados que se conhecem. As coisas não mudaram muito no país das contas bancárias numeradas e que levou Jean Ziegler a escrever o seu “A Suíça Lava Mais Branco”, em 1989.
E quase juro que a UE vai vergar-se ao poder que se esconde atrás de tais contas, permitindo à Suíça escolher os tratados bilaterais que lhe convém ter.
Veremos.
 
 
Este hotel já não existe, mas alguém vende este autocolante na net, onde encontrei a imagem.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Casar com menina rica? Jamé!

 
Foi uma experiência de dois anos como professor de português numa escola de auxiliares de educação infantil. Aulas limitadas a uma hora por semana, pelo que não valia a pena investir pela gramática, com o predicado e o sujeito, mas a divisão do texto em orações. Mais valia, entendíamos, pôr as pequenas a discutir temas, sobretudo os que mais lhes respeitassem e, a partir daí, tentarem um resumo escrito.
Foi o que certamente aconteceu com estes textos, ambos com títulos próprios da época, pois estávamos em 1973.
Por vezes sugeriam-nos, a mim e ao Asdrúbal, alguma calma. E prometíamos sempre que sim, que teríamos as cautelas adequadas para não criar problemas à escola enquanto instituição.
 

Quando me passavam cartão...




CCV - Há 42 anos.

 
Daqui a pouco, mas há 42 anos, eu estaria numa reunião no Café THAITI, no Largo do Calvário, cuja fachada está agora no estado que se vê na foto tirada há dias. E coube-me redigir a ata histórica, porque a primeira, do CCV – Círculo Cultural Vértebra, criado há pouco, e com a 1ª Assembleia Geral realizada na casa de uma das associadas, em Campo de Ourique. Andávamos, em geral, entre Alcântara e Campo de Ourique, em casas ou cafés, sempre que se avariavam as playstations ou a net ia abaixo, ou se descarregavam as baterias dos telemóveis e das tablets.
E como gozávamos com estas coisas… sem deixar de fazer outras.
Era a loucura dos vinte e tal anos.
 
 




quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

DL - Leitor nº 55458


Era o tempo de Ruella Ramos, Fernando Assis Pacheco, Mário Castrim, Sttau Monteiro, José Carlos Vasconcelos, Joaquim Letria e tantos outros. Era o tempo dos suplementos DL Juvenil onde tantos começaram para as letras e A Mosca, com as hilariantes redações da Guidinha, do Sttau.
E ser leitor do DL era como que uma militância que gostávamos de exibir, neste caso na forma de cartão de leitor.
O que não se perdeu com o desaparecimento do Diário de Lisboa, contas feitas ao que com ele se ganhou. E  de que muito ficou, valha-nos isso.

DECO, que não é o que foi.


Agora que se comemoram os 40 anos da DECO, recuperei do meu arquivo o seu boletim nº 1, de Maio de 1974. A DECO tinha sido criada cerca de 2 meses antes, salvo erro. E tudo era diferente, a começar com uma coisa muito comezinha: a defesa dos direitos dos consumidores não era, então, um negócio, nem se imaginava que o pudesse ser. Hoje é um negócio, como em negócios privados se tornaram a defesa do ambiente e a ecologia.
É a vida.
Este boletim dá conta da adesão da associação aos objetivos do 25 de Abril, ocorrido pouco depois da sua criação e, em editorial, reafirma os princípios a prosseguir: a defesa dos “legítimos interesses de todos os consumidores, muito particularmente das classes trabalhadoras”, mas com recusa de “qualquer espécie de espírito paternalista e muito menos caritativo”; por outro lado, a DECO então recusa ainda “qualquer semelhança com um clube duma elite bem alimentada” e reafirma pretender ser “aquilo que os seus associados quiserem que ela seja”. Porque de uma associação se tratava de facto e não de uma empresa comercial com o disfarce de associação como hoje é.
Na altura seria inconcebível que a DECO, muitos anos mais tarde, fosse capaz, por exemplo, de levar a cabo campanhas promocionais agressivas como as que se lhe conhecem, a lembrar mesmo aquilo que condena a outros. Para ter mais assinantes das suas publicações, não para ter mais associados, figura que deixou de existir.
Hoje a DECO prossegue um negócio tão legítimo como outro qualquer. Mas é um negócio que nunca poderia usar o slogan com que terminava este primeiro número: “a união faz a força, inscreva-se na DECO”.
Os tempos eram outros e eu estive lá. E gostei.
 

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Ainda as praxes


“Há pouco mais de 40 anos, no final dos anos 60 do século passado, as palavras-chave de um relatório da Unesco sobre a juventude eram estas: contestação, transgressão, contra-cultura,  contra-poder, cultura dos jovens. Hoje, já nem é preciso relatórios para conhecermos as palavras que descrevem a situação dos jovens: desemprego, precaridade, pragmatismo, sobrevivência. Da época em que a juventude teve uma grandiosa significação cultural e quis assumir a responsabilidade do devir histórico, com o entusiasmo político de quem se sentida um grupo messiânico, chamado a libertar a humanidade da opressão e da injustiça, passámos para a época em que ser jovem significa ausência de projecto, aceitação dos limites, repetição. Do grande espaço público, a juventude passou para a estrita cena privada. A ideia de juventude desligou-se, aliás, de uma ideia cultural e ficou vinculada apenas a lógicas de consumo, de trabalho , e a modos de ocupação do tempo. As famigeradas praxes não são mais do que uma forma de querer recuperar, pelo lado grotesco e alarve, uma coisa que já não existe nem tem condições para existir: a comunidade a que a vida dos estudantes dava forma, dotada de um grande significado cultural e intelectual. Elas exercem-se, portanto, no mais completo vazio, e por isso é que são violentas e patéticas. A herança do nosso tempo é a do acaso dessa invenção recente: a juventude enquanto categoria da descrição e análise sociológicas e agente de uma cultura. (…)”
António Guerreiro, PÚBLICO / ípsilon de 31-01-2014

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Dois cromos na SEC

Viegas e Barreto, uma parelha de cromos
 
Este governo soube escolher cromos de mérito para a cultura. Um deixou marcas no recuo de uma nomeação para o CCB, aceitando ser desautorizado pelo partido maioritário que apoia ao governo de canalhas e, depois, quando olhou para o lado ao deixar sair para o estrangeiro, de forma irresponsável e muito duvidosa por aparentar ser um frete, um quadro de Crivelli. O outro, com aparência de quem surgiu não se sabe donde, tal o ar esgazeado que exibe, tinha que ficar na história igualmente por falta de jeito e sensibilidade para as coisas da cultura. A tal ponto que hoje argumentou a favor da venda das obras de Miró como o faria qualquer ministro das finanças deste governo, para quem arte se resume à pergunta “quanto rende isso?”.
O problema da política da cultura já não está apenas na exiguidade das dotações orçamentais. É que, como cromos como estes, estamos mesmo lixados, seja qual for o orçamento.

Ontem, um dia muito negro.


Não é preciso ser cronista do reino para afirmar de forma solene que ontem as academias portuguesas tiveram um dia negro, um histórico dia negro, num programa da RTP1. Qual juventude universitária solidária, inclusiva, politicamente atrevida, qual quê. Para aquilo que eram os valores de antigamente já deu o que tinha a dar. Agora temos uma reprodução da “geração rasca”, mas para muito pior que aquilo que levou Vicente Jorge Silva a integrar aquela expressão no nosso léxico.
Era ver aquele teatro, de outras boas tradições, quase lotado por uma canalha intolerante que não aceita a diferença de opinião, que se basta com o carnavalesco traje académico, que aceita ter como referência um calão com 24 anos de matrículas e um presidente da sua AAC sem coragem para ter opinião sobre a praxe com o pretexto anedótico de não querer ser polícia e que se recusa a comentar os códigos da praxe que legitimam a humilhação e a agressão dos caloiros, assim como a recusa do exercício do direito de objeção às práticas canalhas, porque não quer entrar em jogo. Com um original argumento: é presidente de todos, logo toda a merdice, mesmo que apenas de alguns, faz sentido. Ele não é polícia, argumento de quem não sabe mais, de quem não os tem no sítio.
Ainda do lado dos adeptos das praxes, como foi penoso ver um professor de direito, populista e demagogo, argumentar que não basta que se chame de praxe a uma coisa para que a coisa seja praxe, ele que por experiência sabe que, a tudo quanto foi denunciado, os estudantes chamam mesmo praxe, isto é, a praxe é mesmo aquilo: a humilhação, a agressão a diversos níveis, o argumento da autoridade entre pessoas que se deveriam ter por iguais, e tudo isto a pretexto da integração daqueles que chegam às universidades pela primeira vez.
A televisão permite isto: exibir a todos uma realidade, uma medonha e triste realidade.
Sou, felizmente, do tempo em que não havia praxes por Lisboa. Nem trajes, nem queimas das fitas ou outros carnavais, salvo aquilo a que se chamava viagens de finalistas, um prémio. Sou do tempo em que ser trabalhador estudante não tinha qualquer proteção legal, pelo que tinha que compensar no emprego todo o tempo gasto com aulas ou exames, com ausências sempre sujeitas a autorizações prévias, com os dias de férias no trabalho gastos na preparação de exames. Sou do tempo em que eram escassos os apoios sociais, desde bolsas a residências universitárias. Por tudo isto não havia dinheiros para trajes e outros carnavais. Mas sou do tempo em que algumas academias, particularmente a de Coimbra, fazia abanar o regime, com riscos para os corajosos, desde a antecipada incorporação militar na altura das guerras coloniais, às expulsões e mesmo a prisões. Assim como sou do tempo de iniciativas solidárias dos estudantes da academia de Lisboa aquando das cheias em que gente sem nada perdeu a vida e haveres nas localidades ribeirinhas do Tejo.
E também sou do tempo da coragem do Alberto Martins na inauguração do Edifício das Matemáticas em Coimbra e que o atual presidente da AAC trouxe à baila naquele debate como se de uma praxe se tratasse, como o fez quanto às serenatas.
Sou do tempo em que era inimaginável que as cervejeiras se atrevessem a investir nas nossas bebedeiras através de patrocínios celebrados com as associações académicas.
Eram outros tempos e outras gentes. Agora, as gerações tidas por mais bem preparadas, apostam na rasquice comportamental, noutros bem diferentes valores. E já chegaram ao poder. E isso é que nos trama e continuará a tramar a vida. E isto basta para que não possa haver qualquer tolerância com os desmandos das praxes.