sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Momento...

Sei os teus seios.
Sei-os de cor.
Para a frente, para cima,
Despontam, alegres, os teus seios.

Vitoriosos já,
Mas não ainda triunfais.
Quem comparou os seios que são teus
(Banal imagem) a colinas!


Com donaire avançam os teus seios,
Ó minha embarcação!
Porque não há
Padarias que em vez de pão nos dêem seios
Logo p'la manhã?
Quantas vezes
Interrogastes, ao espelho, os seios?
Tão tolos os teus seios!
Toda a noite
Com inveja um do outro, toda a santa
Noite!
Quantos seios ficaram por amar?
Seios pasmados, seios lorpas, seios
Como barrigas de glutões!
Seios decrépitos e no entanto belos
Como o que já viveu e fez viver!
Seios inacessíveis e tão altos
Como um orgulho que há-de rebentar
Em deseperadas, quarentonas lágrimas…
Seios fortes como os da Liberdade-
Delacroix-guiando o Povo.

Seios que vão à escola p’ra de lá saírem
Direitinhos p’ra casa…
Seios que deram o bom leite da vida
A vorazes filhos alheios!

Diz-se rijo dum seio que, vencido,
Acaba por vencer…
O amor excessivo dum poeta:
“E hei-de mandar fazer um almanaque
da pele encadernado do teu seio”
Retirar-me para uns seios que me esperam
Há tantos anos, fielmente, na província!
Arrulho de pequenos seios
No peitoril de uma janela
Aberta sobre a vida.
Botas, botirrafas
Pisando tudo, até os seios
Em que o amor se exalta e robustece!
Seios adivinhados, entrevistos,
Jamais possuídos, sempre desejados!
“Oculta, pois, oculta esses objectos
Altares onde fazem sacrifícios
Quantos os vêem com olhos indiscretos
”Raimundo Lúlio, a mulher casada
Que cortejastes, que perseguistes
Até entrares, a cavalo, p’la igreja
Onde fora rezar,
Mudou-te a vida quando te mostrou
(”É isto que amas?”)
De repente a podridão do seio.
Raparigas dos limões a oferecerem
Fruta mais atrevida: inesperados seios…
Uma roda de velhos seios despeitados,
Rabujando,
A pretexto de chá…
Engolfo-me num seio até perder
Memória de quem sou…

Quantos seios devorou a guerra, quantos,
Depressa ou devagar, roubou à vida,
À alegria, ao amor e às gulosas
Bocas dos miúdos!

Pouso a cabeça no teu seio
E nenhum desejo me estremece a carne.
Vejo os teus seios, absortos
Sobre um pequeno ser


Alexandre O’Neill
Foto amp

1 comentário:

Lília Abreu disse...

Intervenção, poesia, arte, cinema... Um olhar atento sobre o mundo: observando, filtrando, sem julgamentos, partilhando...
Gostei deste caleidoscópio vrtual. Pretexto para alargamentos, reflexões, interrogações, partilhas...
Sobre os seios, sempre me interrogo: porque terão as poetisas esquecido de cantar os dos guerreiros, também eles com tanto por contar?
Ai, fosse eu poetisa!
Um abraço.
Dá gosto espairecer por aqui, uma lufada fresca nos cenários que nos cercam.