quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Leituras em dia: "A Cidade de Ulisses" de Teolinda Gersão



“O que havia em ti que eu não encontrava noutras mulheres, o que te singularizava no espaço reduzido da sala de aula?
Penso que para lá da atracção inicial, inteiramente física, e do desejo de por minha vez te agradar, foi o lado mental e emocional que me fez olhar para ti de outro modo. Descobri que eras sensual e brilhante e cedi ao desejo de dialogar contigo. As palavras tiveram um papel decisivo no que se passou entre nós. Eu procurava, a todos os níveis, uma interlocutora, percebi. Era isso, finalmente, o que encontrara. Julgava conhecer as mulheres, mas percebi que tinha aportado, contigo, a um outro continente.
[…]
“A nível colectivo, a recordação mais forte é a de uma crise generalizada. Em 83 já tinha havido 10 eleições desde 74, havia greves, salários em atraso, uma dívida externa gigantesca.
Lembro-me de começarem a demolir o Monumental, apesar dos protestos e dos baixo-assinados, que também ajudámos a recolher.
Sim, lembro-me dos teatros, dos cinemas, dos cafés. Lembro-me de termos visto Dreyer e Max Ophuls na Cinemateca, Mariana Espera Casamento na Cornucópia, Uma Comédia Sexual Numa Noite de Verão de Woody Allen, de Fanny e Alexandre de Bergman.”
 […]
“Na Assembleia da República, para negociar medidas de combate à corrupção, por duas vezes faltou o quórum.
A seguir os impostos aumentaram, houve novas greves, a dívida externa cresceu seiscentos milhões de dólares num semestre.
O FMI interveio, para evitar o descalabro. Mas obviamente nada fez para resolver os problemas estruturais do país.”
[…]
Comove esta serena melancolia que vai por esta “Cidade de Ulisses”, considerada uma história de amor por Lisboa. Cidade que sempre mexeu obrigando-nos a estar vivos, sempre vivos. O livro é um convite a uma viagem que vale a pena, ao lado de um par que vive intensamente uma relação de amor.

Sem comentários: