quinta-feira, 3 de outubro de 2013

As Anas de Campo de Ourique


 
Um tio, um pouco mais velho que eu, trabalhava e morava em Campo de Ourique, num dos muitos quartos alugados por proprietários, ou mesmo inquilinos, daquelas casas de antigamente, onde o espaço sempre sobrava e permitia ganhar um extra, muitas vezes bem considerável. E foi assim que se tornei andarilho em Campo de Ourique, embora residindo nos Olivais. Mas estudava ali perto, no Quelhas.
E muitas foram, a partir de então, as minhas aventuras em Campo de Ourique, particularmente num grupo de rapazes e raparigas estudantes, à volta dos 20 anos, naquelas alturas em que, às escondidas, abordávamos e discutíamos assuntos proibidos se à luz do dia. Com aquela postura de “intelectuais”, em sessões num apartamento da Ferreira Borges, por cima da loja dos Pinheiros, mas também com reuniões em cafés, de que até se lavravam atas para memória futura.
Poucos meses após o 25 de Abril, alguns membros deste grupo sustentam a edição de 13 números da revista Manifesto em que me coube passar por proprietário, embora o financiador do projeto fosse o diretor. Mas ficava mal a acumulação de cargos na ficha técnica.
Pelo livro recupero as bebidas de então – Laranjina C e Canada Dry – assim como o comprimido mais usado no combate das dores de cabeça: o saridon de que recordo ainda a embalagem em chapa metálica.
Claro que estou a passar sobre o livro, sem nada de concreto dizer sobre uma vida sofrida como foi a da Ana de Londres. Mas também é verdade que não sou crítico literário nem coisa que se pareça, e pode muito bem acontecer que se pergunte o que faço aqui, porque falo aqui neste livro da Cristina Carvalho.
Eu digo…


Nesse tempo, exatamente nessa altura, também eu tive uma namorada em Campo de Ourique, de nome Ana (Ana Maria). Não é a mesma Ana cuja vida o livro aborda, mas não deixa de ser igualmente curioso que os pais da Ana de Londres, dados por morando próximo do mercado, serem, assim, vizinhos da minha então namorada que residia com os pais na Rua Tenente Ferreira Durão, ali bem junto ao mercado.
Por vezes os livros têm destas coisas: meterem-se mesmo connosco e, de modo involuntário, obrigarem-nos a ir lá longe, reavivando as nossas memórias: o Értilas, A Tentadora, o Ruacaná, o Brilhantes, o Gigante, o Canas, o cinema Paris, o Jardim da Parada, o Jardim da Estrela, a livraria do Jardim da Parada (não me ocorre o nome) que escondia, para leitores de confiança, livros retirados do mercado pelos censores da época, o Rei dos Bifes onde atacava as iscas com batatas fritas, os pátios… e, claro, a Ana Maria que não era de Londres, nem de Paris, mesmo que parecesse. Mas que era também de Campo de Ourique, como a da Cristina Carvalho.

1 comentário:

Táxi Pluvioso disse...

Laranjina C faz falta, com a fome que virá nos próximos anos, por incompetência de Passos, um pouco de vitamina já não será mau. bom domingo