“Kafka dizia
que um livro deve atingir-nos como um soco, abalar com violência o leitor e a sua
habitual visão das coisas. Receber um soco não é agradável; segundo Kafka, uma
autêntica literatura deve pois conter – além do jogo, do prazer, do sabor do
mundo e da sua reinvenção – também um certo desagrado, algo de chocante que
desconcerta e cria mal-estar.
Poucos livros
conseguem lidar com esse lado desagradável, por vezes insuportável, da vida que
é uma sua verdade e não pode ser iludida ou atenuada. São esses livros que
obrigam o leitor a atravessar os desertos da existência, sem levá-lo pela mão e
sem ajudá-lo a esquivar-se às areias movediças – como faz a literatura
bem-intencionada e tranquilizadora -, mas obrigando-o a refazer o mesmo caminho
do escritor e a atolar-se na angústia e no lodo desse caminho, em vez de lhe oferecer uma varanda panorâmica da qual
ele possa tranquilamente admirar os infernos e os abismos sem se sentir
ameaçado ou sorvido no remoinho.”
Claudio
Magris, in “Alfabetos”
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