terça-feira, 30 de abril de 2013

Poemas de sempre - "Vou-me embora para Pasárgada" de Manuel Bandeira


Vou-me embora pra Pasárgada, de Manuel Bandeira
  Vou-me embora pra Pasárgada
 Lá sou amigo do rei
 Lá tenho a mulher que eu quero
 Na cama que escolherei
 Vou-me embora pra Pasárgada
 Vou-me embora pra Pasárgada
 Aqui eu não sou feliz
 Lá a existência é uma aventura
 De tal modo inconseqüente
 Que Joana a Louca de Espanha
 Rainha e falsa demente
 Vem a ser contraparente
 Da nora que eu nunca tive
 E como farei ginástica
 Andarei de bicicleta
 Montarei em burro brabo
 Subirei no pau-de-sebo
 Tomarei banhos de mar!
 E quando estiver cansado
 Deito na beira do rio
 Mando chamar a mãe-d'água
 Pra me contar as histórias
 Que no tempo de eu menino
 Rosa vinha me contar
 Vou-me embora pra Pasárgada
 Em Pasárgada tem tudo
 É outra civilização
 Tem um processo seguro
 De impedir a concepção
 Tem telefone automático
 Tem alcalóide à vontade
 Tem prostitutas bonitas
 Para a gente namorar
 E quando eu estiver mais triste
 Mas triste de não ter jeito
 Quando de noite me der
 Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
 Na cama que escolherei
 Vou-me embora pra Pasárgada

 

Heróis do nosso tempo

François Jacob, 1920-2013
"Somos feitos de uma estranha mistura de ácidos nucleicos e de memórias, de sonhos e de proteínas, de células e de palavras" - François Jacob, geneticista, combatente antinazi, prémio Nobel de Medecina e um pouco poeta.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Quem poderia ser o clube do Estado Novo?

P. Não houve um clube do regime?
R. Não, primeiro porque o mentor do regime não tem clube, ao contrário de Franco [em Espanha], que se diz que era do Real Madrid. Depois, o clube que mais ganhou durante a segunda metade do Estado Novo foi o Benfica, que era quem tinha mais oposicionistas ao regime e que, na sua direcção, teve menos pessoas ligados ao mesmo. O clube com mais personalidades ligadas ao regime foi o Sporting, onde contabilizei 12 ou 13 dirigentes com ligações ao poder.
 
P. Terá a ver com a génese mais elitista do Sporting?
R. Penso que sim. Talvez pela posição social mais elevada, esses dirigentes estivessem mais próximos do poder. Pelo contrário, na confrontação com o governo foi o Benfica quem mais se aproximou desse papel, nomeadamente por causa do hino censurado a Félix Bermudes (Avante Benfica)… Foi o clube que teve mais oposicionistas declarados.
P. E teve mesmo um presidente comunista…
R. Sim, o que é inédito. Manuel da Conceição Afonso foi o único caso de um comunista a presidir a um clube no Estado Novo.
Da entrevista ao PÚBLICO de 25-04-2013 do historiador Ricardo Serrano a propósito da publicação do seu livro “O Estado Novo e o Futebol”.

Faria um reset, diz ela.

Na edição do PÚBLICO de 25 de Abril pergunta-se a 55 personalidades “O que melhoraria na democracia portuguesa”. A artista do regime Joana de Vasconcelos, para o efeito tida por personalidade, e que tanto gasta em tampões, panelas, garrafas, panos e trapos, não foi capaz de mais que isto: “Eu melhoraria tudo na democracia portuguesa. Faria um reset.” Apenas isto e nada mais como ideia, o que a coloca bem enquanto artista do espetáculo do ridículo deste também ridículo regime.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Cavaco da Coelha - O libertador

Porque hoje, dia da Liberdade, libertou o PS de certas amarras. A partir de hoje – e já antes houve pretextos – o PS não pode manter qualquer atitude de reverência, de consideração, de atenção para com o manequim da Rua dos Fanqueiros. Desde o discurso de vitória que este inculto, rancoroso, manhoso, raivoso e vingativo tinha feito questão em esclarecer que não era o presidente de todos os portugueses. A partir daí apenas fez questão de aprofundar a sua postura. Mas hoje, com o discurso que assustou os cravos que odeia, já não é necessário mais nada. Cavaco da Coelha fez questão de declarar o seu estado de mancebia política com Coelho e seu governo e é bom que isto seja claramente assumido por todos.
Este manhoso fez tudo para conseguir o que nenhum outro presidente seria capaz de alcançar: impopular, vaiado e odiado, desastrado politicamente, inculto, vingativo, conivente com ciladas, rasteiro de caráter, atrapalhado com bolo-rei e admirador das vaquinhas que riem.
Com o apoio da esquerda, tivemos Eanes, Soares e Sampaio; a direita ofereceu-nos um merdoso que acabará o seu mandato como mero presidente da toca: da Coelha, do Coelho e respetivos correligionários, felizmente uma minoria.
Viva o 25 de Abril.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Livraria GALILEU - Cascais

 No post anterior escrevia sobre livrarias, muito raras, que ainda têm livreiros à sua frente, entre elas a Livraria Galileu, em Cascais, onde estive na passada sexta-feira, depois de um excelente almoço em Cobre.
 Como não poderia vir de mãos a abanar, escolhi este livro de Harper Lee e com ele me dirigi à caixa para pagar.
 Mas a atenta e simpática livreira tinha uma recomendação a fazer-me: esta "Djamila", que ela já tinha lido - os livreiros lêem muito - e que me recomendava, ao preço de 5€. Conheci deste modo um novo autor e, sobre o livro já lido - sessenta e poucas páginas -, é verdade o que dele diz Aragon na contracapa: "Nada disto nos explica, porém, que, algures na Ásia Central, um jovem tenha escrito, no início da segunda metade do século XX, uma história que é - juro-o - a mais bela história de amor do mundo. Uma história ao mesmo tempo breve e imensa. Uma história de amor onde não há uma palavra inútil, uma frase que não tenha eco no coração".
Saídos da Galileu, podem os olhos ser lavados neste dois belos exemplares da arquitetura urbana, do outro lado da rua. Como que um bónus.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Livros e livreiros

Também eu costumo dizer que livreiro não é um mero vendedor de livros, mas nos grandes espaços em que hoje se transformaram as livrarias mais badaladas não há livreiros, mas meros atendedores ou operadores de registo de vendas de livros. Muitas vezes cria-se a ilusão de que assim não é, face aos eventos que se organizam nesses espaços, como se isso não decorresse, sobretudo, do empenho e encargo de quem edita, das editoras, mas não de tais livrarias.
O PÚBLICO de 16-04-2013 dá destaque a este tema, ao mesmo tempo que informa ter sido tomada a decisão de institucionalizar o Dia da Livraria e do Livreiro a 30 de Novembro. E é de toda a justiça porque são os livreiros, no sentido nobre do termo, que amam os livros e mais se sacrificam à volta de iniciativas únicas que é a de permitirem o acesso aos livros fora das grandes cidades ou ousam, nestas, defrontar as grandes superfícies onde tudo cabe.
Pessoas que mantêm há 40 anos a Livraria Galileu em Cascais, ou a Fonte de Letras em Montemor-o-Novo, ou a Livraria Culsete em Setúbal, ou a Livraria Loja 107 nas Caldas da Rainha, ou a Centésima Página em Braga… sem deixar de referir aqueles que nas grandes cidades, e defrontando as grandes superfícies livreiras, têm à sua frente livreiros, amantes dos livros, como é o caso da Livraria Ferrin e da Pó dos Livros em Lisboa e da Livraria Lello no Porto.
Para um leitor, a vantagem dos livreiro é saber que eles, como afirma Caroline Tyssen, da Galileu, não se deixam arrastar pelas facilidades e novidades e são pessoas que leem muito, sabem o que estão a vender e, sem serem intrusivos, gostam de conversar e criar ambiente familiar com que os visita e, como eles, também gostam de livros.

Poemas de Sempre - "Seria o Amor Português", Fernando Assis Pacheco

Seria o Amor Português


Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
— tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta?
Fernando Assis Pacheco

sábado, 13 de abril de 2013

De São Lourenço ao São Jorge

 O tempo compôs-se, o sol brilhou. O mar estava calmo mas, mesmo assim, ouve-se sempre este mar de São Lourenço. E já havia gente ao sol, sobretudo após o almoço, almoço numa esplanada que se prolongava por todo este mar.
O regresso tinha este destino, o cinema São Jorge, onde decorreria pelas 18h30, durante hora e meia, uma animada conversa entre Clara Ferreira Alves e Miguel Esteves Cardoso, conversa frenética e centrada nos também frenéticos anos 80. Tempos que ambos viveram de forma intensa, em privilegiados postos de observação: os jornais por onde andaram.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Andanças de hoje...

 Após a primeira tirada - dos Restauradores ao início da Calçada do Carmo - a primeira foto...
 A pequena mais fotografada no Largo do Carmo
 Caminhando pela Rua da Condessa
 Hora de almoço e começava a animação nas Escadinhas do Duque...
 A subir, com a ajuda de uma canadiana...
 A faca e o garfo, mais o prato, o copo, num almoço cheio de luz...
 Rua Nova do Almada - recordando este 1º andar, onde fiz formação...
 ... quando trabalhava no 100 da Rua Áurea ou do Ouro, por cima da Central da Baixa, um ícone...
 Rua dos Sapateiros, onde foi a Sede da primeira entidade patronal, a Comércio e Indústria...
 Rua de São Nicolau, onde trabalhei numa extensão da Bonança, por cima da Polycarpo...
 De vez em quando, naqueles anos, tinha que ser aqui...
 Onde se pode dizer que o que é da Nacional é bom
Fim de linha: Gastão Cruz apresenta na Barata "Fogo" o seu último livro. Cereja em cima do bolo.
 
Um dia em que se lavaram os olhos por sítios ainda quase mágicos e cheios de recordações, em silêncio. Com algum esforço físico atenuado pela canadiana de serviço. Mas havia que retomar as coisas, custasse o que custasse, e tudo numa tirada entre as 10 e as 20 horas. Um gozo!

... e do Espírito Santo. Amen!

Títulos do PÚBLICO de hoje:
“Fundição de Torres Vedras procura investidor”
Porque a fundição em causa, a Fundição de Dois Portos, precisa de comprar matérias-primas para satisfazer encomendas que valem 1,2 milhões de euros e, assim, viabilizar a empresa e manter 130 postos de trabalho.
“Acordo para despedir 37 pessoas na Talaris”
Isto porque a empresa deslocalizará para a China a montagem de máquinas de levantamento, conhecidas por ATM.
“Bancos espanhóis despejaram pelo menos 115 famílias por dia em 2012”
E disto também há por cá, ainda que, admito, com números inferiores aos espanhóis.
“Intervenção de Ricardo Salgado impediu ruptura das negociações”
E agora uma pergunta: em qual dos casos foi decisiva a intervenção do nosso banqueiro? Na Fundição de Torres Vedras, a Fundição de Dois Portos? Na Talaris? No incumprimento por parte de clientes do crédito à habitação?
Não. Foram as negociações em curso entre o BES e o Sporting, e que estavam num impasse, que obrigaram Ricardo Salgado a levantar o traseiro da cadeira. E, agora, parece que o financiamento entre 70 e 80 milhões de euros, apesar do elevado valor do passivo já constituído, será mesmo desbloqueado.
Aleluia, irmãos, que Deus é grande.
 

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Poemas de sempre - "A Mulher" de António Ramos Rosa

A Mulher        


Se é clara a luz desta vermelha margem
é porque dela se ergue uma figura nua
e o silêncio é recente e todavia antigo
enquanto se penteia na sombra da folhagem.
Que longe é ver tão perto o centro da frescura

e as linhas calmas e as brisas sossegadas!
O que ela pensa é só vagar, um ser só espaço
que no umbigo principia e fulge em transparência.
Numa deriva imóvel, o seu hálito é o tempo
que em espiral circula ao ritmo da origem.

Ela é a amante que concebe o ser no seu ouvido, na corola
do vento. Osmose branca, embriaguez vertiginosa.
O seu sorriso é a distância fluida, a subtileza do ar.
Quase dorme no suave clamor e se dissipa
e nasce do esquecimento como um sopro indivisível.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Méeeeeeeeeeeeeeee!

Pinto Ponteiro pede indemnização de 360 mil euros porque duas cavalheiras, num pasquim da praça, fizeram uma notícia habilidosa mas suficientemente descarada para que facilmente se deduzisse que o ex-PGR era o autor de uma fuga de informação e que, assim, teria cometido um crime por violação do segredo de justiça. Habituados que estão aos desmandos, parecem surpreendidos pela atitude de Pinto Monteiro, ao ponto de Felícia Cabrita, segundo o PÚBLICO, ter lamentado a “tentativa de silenciamento dos jornais” através deste tipo de ações, acrescentando que “Estrangulam os jornais e são um rombo na liberdade de imprensa ainda mais forte nos tempos de crise que vivemos”. Habituados que estão a fazer a promoção do pasquim à conta do direito ao bom nome de terceiros – que o deles vale o que vale e isso pouco importa – parecem espantados quando alguém lhe faz frente, conduzindo-os ao local certo para dirimir os desmandos – o tribunal – local que bem conhecem por outras ousadias.
Ora, se o sol quando nasce é para todos, os tribunais também o são, faça chuva ou faça sol.

domingo, 7 de abril de 2013

Um tinto metafísico para a angústia existencial

Qual crise? Um jornal generalista faz-nos a seguinte “proposta da semana”: Legado de 2009, da Sogrape, de várias castas, com 15% volume de graduação, da região do Douro, pela módica quantia de 220€, sim, duzentos e vinte euros.
E isto porque, escreve no Fugas / PÚBLICO o crítico Pedro Garcias, que certamente bebe do bom e do fino a preços muitos diferentes dos meus, estamos perante uma pinga que “Na sua excepcionalidade, é um daqueles tintos metafísicos, para beber com a família e os amigos mais próximos e que nos colocam perante o essencial, ajudando-nos a superar a angústia existencial”.
É mesmo o que necessito já: um tinto metafísico que me ajude a superar a minha angústia existencial. Se houver uma alma caridosa que me traga uma garrafa destas eu prometo, em troca, “O Existencialismo é um Humanismo”. Porque é humano que me amparem a angústia existencial.
Feita a promoção desta pinga, será que virei a ser surpreendido com a oferta de uma garrafa?

sábado, 6 de abril de 2013

Mestre do Pensamento Contemporâneo

A cadeira que aprofundou o escândalo que rodeia a “licenciatura” de Relvas é, nem mais nem menos, a Introdução ao Pensamento Contemporâneo, cadeira premiada com a atribuição da nota de 18 valores. E como? Pois bastou a prestação de uma prova oral, com discussão de textos da autoria de Relvas – qual mestre do pensamento contemporâneo -, discussão entre Relvas e o Reitor da Lusófona que, no entanto, nem era o responsável da cadeira. E toma lá 18 valores!
Acontece que, pelos regulamentos da Lusófona, deveria ter havido lugar também a uma prova escrita, em geral prévia à prova oral. E não houve. Mas o Magnífico Reitor fez uso de um regulamento da sua exclusiva autoria para validar esta exceção, só que tal regulamento não tinha sido sancionado, como teria que o ser, pelo Conselho Pedagógico do Curso de Ciência Política e, por isso, padecia de validade.
Quando a bronca é despoletada pela intervenção da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, o que faz a Lusófona? Em Dezembro de 2012 – 5 anos depois de concluída a “licenciatura” – resolve o caso retroativamente através da ratificação do tal regulamento do Magnífico Reitor pelo Conselho Pedagógico da Faculdade de Ciência Política. E agora já não é apenas o Reitor a envolver-se na trapalhada, porque também este Conselho Pedagógico ajuda à festa. Nesta mesma reunião o Conselho Pedagógico ratificou a avaliação de Relvas, avaliação confirmada no mesmo dia pelo Conselho Pedagógico da universidade. E temos mais um Conselho Pedagógico envolvido na trapalhada.
Agora o caso fica entregue ao Tribunal Administrativo, mas não sei se alguma vez conheceremos todos os contornos do caso. É que, quando foram tantos a deixar-se queimar nesta trapalhada, alguma coisa tem explicar que se aceitem tais queimadelas de ânimo leve.
Mas a Lusófona é a principal responsável pela queda anímica de um ministro, queda ao pondo de o levar à demissão. E não sei se Relvas não será menino para vir a pedir indemnização por perdas e danos.
Fica uma sugestão para arranjar, se necessário, os meios que permitam pagar uma eventual indemnização:
a)  A Lusófona monta máquinas tipo multibanco e vende códigos de acesso a quem se candidate a um diploma;
b) O candidato, depois de aceder, escolhe o curso, sendo a nota atribuída através de um algoritmo para evitar excessos;
c)  A tal máquina liga-se uma impressora que emitirá, de seguida, o documento do curso escolhido.
Fica a ideia. Sem encargos de consultadoria, pois ainda não disponho de diploma que me permita emitir recibo em conformidade.
Os factos relatados sobre a aprovação da cadeira de Introdução ao Pensamento Contemporâneo constam do PÚBLICO de 05-04-2013.

O criador e a coisa criada

Voltar ao assunto impõe-se porque, se Relvas está morto e enterrado, a coisa por si criada não está. E hoje já não há dúvidas sobre a relação entre o criador e coisa criada, a partir da confissão do primeiro: Em termos pessoais queria, porém, relembrar que o caminho que percorri foi bem mais longo porque aos dois anos de funções governativas devem somar-se os dois anos que os antecederam. Dois anos em que acreditei e lutei no interior do meu partido pela afirmação de um novo líder que encabeçasse um projeto de mudança para Portugal.
Depois, mais um ano, em que acreditei e lutei pela eleição de um novo primeiro-ministro e pela escolha de uma nova proposta de governação que pusesse fim ao caminho para o desastre em que nos encontrávamos”. Sobre isto há mesmo quem conte que Relvas terá garantido a Passos que, querendo ser PM, ele conseguiria isso.
A intimidade que se conhece entre ambos, nomeadamente pelos negócios ligados à formação em que se envolveram e nos quais Relvas, governante, oleava os interesses privados de Passos, a confissão agora feita e a relevância do cargo governamental de Relvas, têm que ligar o destino político de um ao do outro.
E isto porque Passos sempre desvalorizou as trapalhadas do seu ministro, desde o modo como obteve o seu grau académico, às pressões sobre jornalistas, ao envolvimento com as secretas, para referir as mais sonantes. Passos, sobre a licenciatura de Relvas, chegou mesmo a dizer que era um não assunto”, pretendendo despojar o caso de qualquer relevância política e isto quanto ao ministro mais político da sua equipa, já que lhe reconhecia competência para a coordenação política do seu governo.
A solidariedade de Passos com Relvas foi ao limite do imaginável e por isso não pode agora assobiar para o lado, tratando a demissão do ministro mais uma vez como “um não assunto”, porque por detrás da demissão estão coisas bastante graves, e não venha Passos dizer que a culpa é apenas da Lusófona, como se Relvas tivesse sido “licenciado” contra vontade, à força.

Experimentum Mundi - Giorgio Battistelli

http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=1SjFoSi7zLk

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Rómulo / Gedeão e Marques da Costa

Artur Marques da Costa
Feito o 5º ano dos liceus, rumei a Lisboa, já com emprego assegurado por um primo da família e a quem muitos de nós devemos, o primo Zé Moura. Emprego no Colégio Manuel Bernardes, escola para filhos de gente fina, como preparador dos laboratórios de ciências naturais e de física e química. Eu que nada tinha a ver com tais matérias, pois o meu destino seriam as ciências económicas e financeiras, rumo ao ISCEF, agora ISEG.
As funções não eram de monta, bastando colocar sobre as mesas os instrumentos, reagentes, ácidos, sais e outras coisas mais necessárias às aulas práticas dos alunos sobre a batuta, no caso da física e química, do professor Artur Marques da Costa, pessoa que me habituei a considerar e que igualmente me estimava.
Recordo que a páginas tantas já era um expert nas matérias em questão, ao ponto de evitar algumas desgraças nas experiências a fazer pelos alunos que, à socapa, também ajudei nos exames, deixando dicas escritas embrulhadas em panos ou, então, com sinais de olhos reprovadores face ao que via fazer e que permitiam inverter, a tempo, os procedimentos em curso. Porque o preparador podia estar e circular pela sala em que se faziam as provas práticas dos exames do então terceiro ciclo dos liceus.
E foram dois anos assim. Com direito a cama, mesa e roupa lavada, a par de uma remuneração de 500$ mensais que me permitiram alguns dos vícios que me acompanham ainda hoje: os concertos, particularmente os integrados nos Festivais Gulbenkian da altura, quando vi Stravinsky a reger no Coliseu, e Margot Fonteyn e Nureyev a dançar no mesmo local o Lago dos Cisnes, livros, um jornal diário (sobretudo o Diário de Lisboa)… E recordo que até comprei um fato com letras avalisadas pelo Padre Augusto Gomes Pinheiro, fundador e diretor na altura do colégio, entre nós tratado como o senhor prior.
E tudo isto a propósito de um documentário hoje na RTP2, sobre Rómulo de Carvalho / António Gedeão, com um depoimento de Artur Marques da Costa que, sei agora pelo que consta aqui na net, também quis ser arquiteto. Mas foi como professor de física e química que o conheci. E é por ser a pessoa que foi que agora me emocionei ao revê-lo, porque nunca mais o vi depois daqueles dois escassos anos dos anos 60, os necessários para também eu concluir ali o terceiro ciclo dos liceus e partir para outra.
E tudo isto graças a de Rómulo de Carvalho / António Gedeão, por cujos livros também estudei e sobre o qual é urgente que pegue no livro escrito pela sua filha Cristina, com o justo subtítulo de “Príncipe Perfeito”. Porque o é.

Hollande versus Passos


"... o primeiro-ministro enaltece a lealdade e a dedicação ao serviço público com que o ministro Miguel Relvas desempenhou as suas funções, bem como o seu valioso contributo para o cumprimento do Programa do Governo numa fase particularmente exigente para o país e para todos os portugueses".
Cahuzac, ex-ministro do Orçamento sobre o qual se descobriu uma conta no estrangeiro, cometeu, segundo palavras de François Hollande “uma falta imperdoável. É um ultraje à República”.
Uma coisa em comum: ambos mentiram, até ao limite, sobre os casos de que eram acusados, deixando mal os chefes. Um é elogiado, outro é tratado com toda a dureza.
Ficam as diferenças, não apenas de estilo.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Tá quase!

Estou convencido de que será o último fim de semana neste estado e que isto irá porta fora, sem tempo para um autógrafo papal. E porta fora quero ir eu também, faça o tempo que fizer.

Declaração de amor - Clarice Lispector


Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança da língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
Clarice Lispector

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Poemas de sempre - A uma mulher amada, Safo

A uma mulher amada
Safo 

Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro!
Quem goza o prazer de te escutar,
quem vê, às vezes, teu doce sorriso.
Nem os deuses felizes o podem igualar.

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne, ó suave bem-querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.
Não ouço mais. Eu caio num langor supremo;
E pálida e perdida e febril e sem ar,
um frêmito me abala... eu quase morro ... eu tremo.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Poemas de sempre - Ilha, David Mourão-Ferreira


Ilha
David Mourão-Ferreira

Deitadas és uma ilha. E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente

Deitas és uma ilha. Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias.

Leituras em dia: "Os Transparentes" de Ondjaki

Um retrato da Luanda de hoje, com muitas histórias, uma vasta galeria de personagens. Todos os grupos socias. Com gente que tudo tem a par de muitos a quem tudo falta, salvo a afetividade e a solidariedade. Uma cidade complexa, prenhe de encontros e desencontros. Com muitas cores reduzidas ao vermelho, o “vermelho-devagarinho”.
Um livro que se lê com um sorriso, acompanhando as façanhas, manhas e dramas de personagens como JoãoDevagar, CienteDoGrã, DomCristalino, os fiscais DestaVez e DaOutra, o assessor SantosPrancha, a MariaComForça, o cientista DavideAirosa, o Camarada Mudo, o ZéMesmo, o VendedorDeConchas… E entre todos o transparente Odonato. Numa Luanda onde abundam os cartazes da CIPEL, nada mais que a Comissão Instaladora do Petróleo Encontrável em Luanda. Num país onde o camarada engenheiro presidente decide cancelar um eclipse porque, na véspera, tinha falecido a senhora Ideologia.
Ondjaki, nascido em 1977, era, à data de Os Transparentes, um escritor já muito premiado e traduzido. Conheci-o agora num romance longo, mas que se lê de um folego.

Catraia atrevida...


“Nós entendemos que o Tribunal Constitucional deve avaliar este Orçamento tal como nós o elaborámos e aprovámos nesta câmara: tendo em consideração o contexto económico, o contexto financeiro, o memorando de entendimento, o direito europeu, o direito nacional”.
PÚBLICO de 29-03-2013
 
Mais nada, senhores juízes do TC.
Esta vice-presidente do PSD não faz as coisas por menos. E vai colecionando medalhas, desde as trapalhadas que levaram ao seu despedimento do CCB, por favorecimento a amigos, despedimento de que recorreu tenho visto o tribunal recusar-lhe razão por duas vezes. E depois de também ter sido corrida da administração da SAD do SLB onde entrou pela mão de… Vale e Azevedo, e de onde se recusava a sair depois de este ter sido apeado do lugar de presidente.

Façam o favor de entrar...

O mercado imobiliário de luxo não está em crise. Nunca o esteve, como nunca estiveram em crise os seus atores. Mas houve que animar tal mercado, com ações promocionais em países desenvolvidos como a Índia e a China, como acaba de ser feito pelo nosso MNE. Ações promocionais do tipo Visto Gold, visto de residência para os estrangeiros que comprem imóveis de valor acima de 500 mil de euros.
Reflexo ou não de tal política, no Algarve vendem-se bem casas de valor entre 10 e 12 milhões de euros, isso mesmo: entre 10 e 12 milhões de euros. E entre os clientes destas casas destacam-se os russos, gente de outro país igualmente desenvolvido e recomendável.
O preço médio das casas na Quinta do Lago e no Vale do Lobo anda pelos 3 milhões de euros.
Só a manutenção destas casas – IMI, eletricidade, água e serviços – fica entre 50 mil e 80 mil euros por ano. Bagatelas.
Com o safanão que os oligarcas russos levaram em Chipre é natural que isto anime ainda mais. Porque o país é doce, o clima agradável e, sobretudo, estou convencido que ninguém se interessa em conhecer a origem do dinheiro que está por detrás disto e quem o movimenta. Em Chipre também foi assim, com os resultados conhecidos.
PS. Valores segundo o PÚBLICO de 01-04-2013

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Isabel dos Santos e os ovos


Isabel dos Santos ao Jornal de Negócios de 29-03-2013: “Tive sentido para os negócios desde muito nova. Vendia ovos quando tinha seis anos”
Certamente que à conta de um galaró do Futungo de Belas, umas poedeiras fardadas, também altamente recompensadas. Apesar do regime, os lucros são tolerados desde que embolsados pelos oligarcas locais sempre envolvidos em tudo quanto seja negócio duro. Mas duvido que, apesar de tal oval sucesso, já esteja ao alcance de todos os angolanos uma simples omelete, uns ovos mexidos, um ovo estrelado, uma gemada. Porque as poedeiras devem continuar a desovar sempre para o mesmo lado.