Uma história milhentas vezes por mim contada, por uma
particular razão. Adiante. Era 1º de Maio, dos primeiros celebrados em
liberdade. A caminho das celebrações, posto um pé na rua, dois suecos perguntam
por um restaurante onde pudessem almoçar. Impossível então: o dia era mesmo do
trabalhador e tudo fechava, mesmo na cidade tida, vá lá saber-se porquê, como
capital de trabalho. Insistimos perante duas caras desesperadas: que não havia,
que não encontrariam qualquer restaurante. Mas tu tinhas uma solução: um
convite para subirem, porque alguma coisa se arranjaria. Um horror: dois
malucos a convidarem para casa dois desconhecidos estrangeiros, bem postos, mas
esfomeados. E não foi fácil convencê-los até ao definitivo: se querem comer,
aceitem, caso contrário mantenham a busca do impossível. E lá acabaram por
aceitar.
Sobre a mesa são colocados os panados que tinham sobrado,
batatas fritas de pacote, uma garrafa de vinho e fruta, perante duas caras
embasbacadas, como que tentando adivinhar o que poderia estar por detrás de tão
estranha, para eles, simpatia. Mesa posta, e como que a pretexto de votos de
bom apetite, pediste-lhes que depois de comerem batessem a porta, pois nós
retomaríamos aquilo que estava agendado: as celebrações do 1º de Maio naquela
praça frente à CM do Porto. O quê? Ficariam ali sozinhos numa casa estranha, a
comer, e depois bastaria bater a porta? Que sim, respondeste, porque a nossa
agenda estava feita. E, responderam: se nos roubassem? Não haveria problema,
pois a polícia daria conta do recado. Teimámos e, a custo, lá ficaram os dois
suecos, na altura em viagem de negócios: compras de tecidos e
atoalhados no norte do país, a comercializar por uma cooperativa de grande dimensão.
Aceitámos o convite para um copo no hotel em que se
hospedavam na zona da Boavista, no final da manifestação. E lá fomos. A história
que envolvia dois loucos, nós, já era conhecida por outros que se encontravam
no bar do hotel e foi-nos referida a reação de um escocês: cuidado, vejam com
quem se meteram, porque isso é muito estranho. Durante o copo, procurámos saber
onde iriam jantar. Pois já sabiam onde. Havia um restaurante aberto na zona - a Cufra, suponho -
certamente o único em toda a cidade, certamente com enormes filas de espera. E desafiámos
os nossos suecos para um jantar. Foi muito mais fácil agora fazer aceitar o
convite.
Cozinhaste uns canelones de carne, saltou uma garrafa para a
mesa e recordo que acabámos a bebericar vinho do Porto. Os nossos amigos choravam.
Isto que lhe fizeste – porque foi sobretudo mérito teu – nenhum familiar o
faria pois, entre eles, quando se convidam, é para um restaurante, pois não é
hábito franquear o espaço privado da habitação a ninguém, mesmo se familiares. Eles
que tinham boas mobílias, televisão a cores – estávamos ainda com o preto e
branco - , bons carros – o Volvo, por exemplo –, boas casas, mas nunca poderiam
entre eles experimentar as sensações vividas com dois modestos desconhecidos
num país distante e pobre.
Nunca aproveitámos o convite feito para os visitarmos. Mas ficou
este gozo enorme de, num dos nossos primeiros primeiro de Maio termos provado a
dois suecos que somos capazes de méritos que o dinheiro ou o quer que seja não
explica.
Já agora: a foto é do cantinho onde tal se passou. E como
tinhas em tempos sugerido que contasse histórias desse cantinho, aqui fica
esta. Uma dúvida: não sei se desta vez transportei aos ombros, na manifestação,
a querida chatinha… mas quase juro que sim.
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