quinta-feira, 31 de outubro de 2013

(a carta da paixão), Herberto Helder


(a carta da paixão)
Esta mão que escreve a ardente melancolia da
idade
é a mesma que se move entre as nascentes da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra a
sua queimadura desde os recessos negros
onde
se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se. O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, a lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça : essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponta a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços, a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tão feroz agarrando toda a carne. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce : eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.
 
Herberto Helder em "Ou o Poema Contínuo"

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Leituras em dia: "Solte os Cachorros" de Adélia Prado


“Linhagem é no banheiro que se tem. Sozinho é que o pedigree mostra o rabo. Mesmo porque linha é não perder o respeito nem de si, nem dos outros, só isso, simples. Descobri quando o capiau chegou pra mim e disse, como se lesse a ata da coroação: “Dona, inda que mal pergunte, com o perdão da palavra, ondé mesmo que fica a latrina qu’eu tô obrando mole e solto hoje que tá uma derrota”.”
E sai um sorriso.
Escrevendo prosa ou poesia, quero atingir a poesia, meu objetivo é a poesia”, afirmou em tempos Adélia Prado.
Já agora: um livro adquirido por 2€ na livraria da editora Livros Cotovia.

Os bonobos e a reforma do Estado.


Como os bonobos reformam o seu Estado, inspirados no documento de Portas.


Do eduquês ao examês...


Aumenta-se o número de alunos por turma, mas isso é um pormenor.
Colocam-se na mesma sala alunos de diversos anos, com o mesmo professor, mas isso pouco importa.
Exige-se que os professores andem de escola para escola, no mesmo mega agrupamento, mas isso só faz bem à saúde.
Desinveste-se no ensino especial, mas há que atacar nas gorduras do estado, e aquilo era um luxo.
Importante que é que se volte aos exames da quarta classe, e que os professores sejam submetidos a exames. Porque a qualidade do ensino, as condições em que se ensina, são questões menores, apenas importantes para os mais desfavorecidos, assunto estranho ao primo-sobrinho-trineto em 2º grau do 1º barão e 1º Visconde de Nossa Senhora da Luz, aliás Nuno Crato, teórico do eduquês, agora rendido ao examês.
 

Loures: Costa e Bernardino: a mesma luta.

Diz Jerónimo que o PCP é o partido dos trabalhadores e do povo, defendendo intransigentemente os seus interesses. O PS, ui!, um aliado da direita, a direita que há que combater de forma consequente, a bem do povo, dos interesses dos trabalhadores, da classe operária, dos pequenos comerciantes, das pequenas e micro empresas.
Mais: o PCP é um partido da maior coerência, incapaz de trair os interesses de quem representa, sempre na busca de um futuro radioso.
Por isso chumbou o PEC4, sabendo o que vinha a seguir. Por isso oferece-me aqui em Loures uma parceria gloriosa: Bernardino e Costa. Estes dois, amigados na forma de um acordo pós eleitoral. Costa que veio das Caldas da Rainha onde já não podia ser eleito e o coreano Bernardino, uma parelha que nem ao diabo lembraria. Mas lembrou.
Porra para o diabo que já nem ele nos vale.
 


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Parafusos...

... faltar-me-ão noutro sítio, mas tenho 3 magníficos no pé direito, valorizando imenso este esqueleto. Situação ao dia de hoje, quando já se pode fazer humor com estas coisas.

domingo, 20 de outubro de 2013

Leitura em curso: "Austeridade - A História de Uma Ideia Perigosa"

Para aguçar o apetite, após duas dezenas de páginas…
“Transformámos a política da dívida numa moralidade que desviou a culpa dos bancos para o Estado. A austeridade é a penitência – a dor virtuosa após a festa imoral -, mas não vai ser uma dieta de dor que todos partilharemos. Poucos de nós são convidados para a festa, mas pedem-nos a todos que paguemos a conta.”
E
“O facto de pura e simplesmente não funcionar é a primeira razão pela qual a austeridade é uma ideia perigosa”
O autor apresenta-se assim:
“Nasci em Dundee, na Escócia, em 1967, filho de um talhante e de uma agente de aluguer de televisores (sim, nesse tempo, as TV eram tão caras que a maioria das pessoas alugava-as). A minha mãe morreu quando eu ainda era novo, e fui entregue aos cuidados da minha avó paterna. Cresci numa (relativa) pobreza e houve alturas em que fui mesmo para a escola de sapatos rotos. A minha educação foi, no sentido original da palavra, bastante austera. Os rendimentos domésticos eram um cheque do governo, nomeadamente uma pensão do Estado, e entregas ocasionais do meu pai, trabalhador braçal. Sou um filho da Providência. Também tenho orgulho nesse facto.
Hoje sou professor de uma universidade da Ivy League americana. Probabilisticamente falando, sou um exemplo tão extremo da mobilidade social como qualquer outro. O que possibilitou que me tornasse o homem que sou hoje foi exatamente aquilo a que hoje se atribui a culpa de ter criado a crise: o Estado, mais especificamente, o chamado Estado-Providência irrealista, demasiado grande, paternalista e fora do controlo.”
 
Até a canalha no poder perceberia isto, se não fosse canalha ao serviço de quem provocou a crise: a banca, os mercados, o que lhe queiram chamar.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A Bonobolândia vai subscrever dívida portuguesa

Segundo o PÚBLICO de hoje, o governo está a pensar emitir dívida em dólares, sobretudo para atrair investidores dos EUA.
Sabendo disso, a Bonobolândia reagiu prontamente, através do aqui seu ministro das finanças a lembrar que também aquele reino tem disponibilidades em forte moeda para subscrever dívida portuguesa.
Uns amigalhaços, os bonobos.

 

Bonobo reage a Cavaco...

"O quê? Cavaco Silva foi apenas depositante do BPN, sem qualquer outra relação? E as ações, um investimento em que fez uma pipa de massa em mais-valias, de forma estranha, não contam?", pergunta este bonobo...

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Estão bem da tola?


Reação de um bonobo quando soube que entre os livros mais vendidos temos:
Na ficção: José Rodrigues dos Santos, Valter Hugo Mãe, Dan Brown, Miguel Sousa Tavares e E. L. James.
Na não ficção: “Acreditar, Rezar, Amar”, “A Dieta dos 31 Dias”, “O Meu Programa de Governo”, “Eu Sara, Me Confesso” entre outras mais merdices.
E vocês estão mesmo bem da tola? - perguntou.
Embatuquei.

Antes fod...

A opção de dois bonobos quando a SIC-N pôs no ar o pateta José Gomes Ferreira... agora mesmo.
Gente inteligente, estes bonobos, que sabem como ocupar bem o seu escasso tempo.

Um bonobo de cara à banda...


O que deixa um bonobo de cara à banda…
“Ler o “Ulisses” do Joyce é um exercício de sadomasoquismo” (José Rodrigues dos Santos)
“Não nos podemos esquecer que temos no Parlamento forças revolucionárias” (Luís Amado)
“Estou apaixonado pelo meu livro. Durmo com ele na cama.” (Valter Hugo Mãe)
“Sócrates foi pior que Salazar” (Nuno Melo)

Reação de um bonobo ao OE 2014...

Fónix!, reagiu um bonobo quando conheceu o OE para 2014 da responsabilidade da canalha que nos governa.

A bonobolândia


O bonobo é um chimpanzé pequeno, talvez o que mais se aproxima do homem em comportamentos, particularmente no que se refere ao seu desempenho sexual - desempenho criativo -, porque as fêmeas são recetivas ao sexo mesmo fora do período fértil, sendo as relações sexuais também usadas para apaziguar conflitos, adquirir estatuto social, manter afetos, excitação e reduzir o stresse.
Um reino aparte, a bonobolândia.

 

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

"Estou vivo e escrevo sol", acreditem que sim!


A chamada surge no visor do telefone como anónima, mas era domingo e um pouco antes das dez da manhã. E apenas por isso rompi com a regra de não atender tais chamadas, admtindo não se tratar de uma daquelas com que tentam infernizar-nos a vida, para nos impingirem isto ou aquilo.
“Bom dia… é da casa do Armando?” Sim, confirmei. “O Armando está?” Está, respondi. “E posso falar com ele?” Está mesmo a falar com o Armando, esclareci. Mas quem fala? “É a L… e que alívio ouvir-te”. E porquê? “Porque um conterrâneo teu me perguntou se eu sabia que tinhas morrido”. Cala-me essa boca, pedi… E a conversa continuou, comigo a olhar aqui o meu lado esquerdo, um dia carregado de sol. Talvez por isso só hoje recordei o que se passou ontem, acabado de me levantar. O dia estava excelente, o sol brilhava… E talvez por isso me tenha ocorrido então o “Estou vivo e escrevo sol” do António Ramos Rosa, confirmando, para os devidos efeitos, que estou. A sério que estou.

sábado, 12 de outubro de 2013

Um euro de boa leitura...


… Verdade. Foi quanto me custou a “Menina Else” de Arthur Schnitzler de quem apenas conhecia “A Ronda”.
No caso estamos perante um drama psicológico já levado ao palco pela Cornucópia, escrito de um modo muito original e aliciante, cento e poucas páginas por um euro, na livraria da editora Cotovia, a seguir à Cervejaria Trindade, indo do Chiado. Pode-se beber uma imperial e depois comprar um livro, ou vice-versa. E livros baratos e não manuseados é ali. Bons livros.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Leituras em dia: "Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo..."


Uma diversão, muito útil, retomando a ideia de um livro de Galileu. Neste da Raquel Gonçalves é D Quixote quem questiona e põe em questão o saber comum de Sancho, assim como o mais elaborado, mas ainda não científico, saber de Simplício.
Um gozo que vale a pena.

- Sabes o que é um metro? [pergunta D Quixote]
Sancho ouvira falar que nas cidades pessoas havia que se movimentavam como toupeiras, cavando túneis debaixo do chão para de um lugar ir a outro lugar. Mas era assunto que nunca aprofundara, pois muita falta de ar lhe fazia só de nele pensar. Abanou a cabeça em sinal de negação.
D Quixote, não se dando por vencido, insistiu:
- Um metro é padrão de comprimento, de distância…
- Um metro… Ah! Um metro é uma vara de um metro – exclamou Sancho, quando um derradeiro raio de luz incidiu na sua cabeça.
- Sancho, meu bom Sancho… Pensa se o tempo aquece: o comprimento da vara maior fica. Pensa se o tempo arrefece: o comprimento da vara menor fica. Então um metro não é sempre um metro?
Sancho ficou agradado com a recomendação, assim ele entendeu o discurso. E logo ali jurou só comprar fazenda para calça nova em dia de Verão e de Sol quente.
D Quixote continuava:
- Admito que o comprimento de uma vara possa parecer-se com um metro padrão, mas, Sancho, não deves confundir “aproximação” nem com “rigor” nem com “precisão”. Acredita no que te digo.
Sancho acreditou. Olhou as calças vestidas que coçadas estavam mas rasgão não tinham. Precisão? Bom, precisão teria, se já fosse governador, deputado ou mesmo ministro, o que, em rigor, ainda não era.
- Acredita, Sancho, que um metro é o comprimento de onda da risca vermelho-alaranjada do crípton 86. E se me queres perguntar alguma coisa, fala agora, pois a tudo tentarei responder.”

Leituras em dia: "Hannah Arendt e Martin Heidegger" de Elzbieta Ettinger


Foi o filme em exibição – “Hannah Arendt” – que me levou a pegar neste livro que já tinha desde a última feira do livro, catado, juntamente com dois livros de Hannah Arendt, entre as relíquias que a Relógio d’Água deixa ao cuidado dos visitantes dos seus stands.
O filme só de passagem aborda a relação entre Hannah e Martin Heidegger, seu professor e seu amante durante um período de tempo.
Mas Hannah é uma judia alemã e Hitler tinha subido ao poder, o que a força a emigrar para França onde chegou a estar num campo de concentração, após a ocupação alemã, conseguindo depois fugir para os EUA.
Heidegger, quando ainda vivia a relação clandestina com Hannah, e sem que esta então o soubesse, tinha aderido ao partido nazi e foi responsável pela perseguição e afastamento de professores apenas por serem judeus ou por simpatizarem com judeus. Apesar disso, passados 20 anos de afastamento, Hannah, agora casada com Heinrich Blücher, retoma as relações com Heidegger que visita inúmeras vezes, chegando mesmo a empenhar-se na sua reabilitação e ocupando-se da divulgação da obra do seu antigo professor. Apesar disso, Heidegger, para isso solicitado, nunca foi capaz de renunciar ao seu passado nazi, e experimentava mesmo profundos ciúmes pela carreira académica da sua antiga aluna.
A dedicação de Hannah Arendt a Heidegger só se compreende por se estar perante uma mulher absolutamente excecional, uma pessoa fiel apenas ao seu intelecto e aos seus amigos, recusando aquilo que se pudesse ter por posturas politicamente corretas.
E é isso que também se percebe do filme, quando recusa, a propósito da cobertura que fez do julgamento de Eichmann  para a New Yorker, fazer dele o retrato de um  facínora, antes  insistindo estar-se perante uma pessoa em tudo banal e tão banal que banalizava o mal, atuando como mero burocrata no cumprimento de ordens.
A partir daí Hannah aprofunda e dá corpo ao seu pensamento acerca do mal, da banalidade do mal, com muitos custos pessoais, por custar a ser entendida entre os seus. Mas deixou uma obra de grande originalidade, entre ela “A Condição Humana”, um livro indispensável.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Parabéns, Asdrúbal!

Óleo de Asdrúbal Pimenta
 
Um dia – há mais de 40 anos - uma colega, a Isabel Pedro, perguntou-me se estava interessado num bilhete para uma récita popular de ópera no Coliseu, uma das coisas que se perderam com o tempo, infelizmente. Aceitei prontamente. E fiquei a saber que havia um grupo que se organizava para as récitas no Coliseu, grupo que passei a integrar a partir daí.
E foi neste grupo que conheci o Asdrúbal,  com quem tinha uma coisa em comum: ambos estudávamos Finanças (hoje dir-se-ia Gestão de Empresas) no ex-ISCEF, agora ISEG. E estávamos no mesmo ano.
A partir daí fizemos um percurso escolar comum, com noitadas nos Olivais, por vezes à custa de umas anfetaminas (crime já prescrito), trabalhos em grupo, troca de apontamentos, traduções quase a dormir, o balanço que não dava certo, com cenas que a memória retém, mas a que vos poupo.
E havia as manas Matilde e Zé, a Matilde uma namorada que permanece até hoje. E eram os acampamentos na Lagoa de Albufeira, permitidos na altura, um Fiat que tinha que se parar à sombra porque aquecia excessivamente e quase explodia, coisas e coisas. E a Eugaria, a praia das Maças, a avenida Sidónio Pais, a escola de São Tomé e as tricas sobre "a relação com as criança", o suf menos, menos, mais de um professor de ginástica...
Marcante ainda é a nossa ida ao Algarve, a Pera, onde o Asdrúbal se deveria apresentar à família da Matilde, uma viagem com 3 ou 4 boleias até chegar a Setúbal mas onde, a caminho da estação de comboio, apanhámos uma que nos colocou em Ferreiras, salvo erro. Com acampamento no quintal da Xica e Lelo, pois recusámos galhardamente a simpatia para dormir debaixo de telha. Campista era campista, mas doeu um pouco, fosse pelas pedras debaixo das costas, fosse pelas melgas a que era necessário dar caça no início de todas as noites.
E veio o casamento, o 25 de Abril, com o Asdrúbal então na tropa, e as noitadas a acompanhar as primeiras eleições, e as férias em Pera, eu sei lá.
Nasce a Ana Teresa, a seguir a Catarina, com quem andei ao colo, de quem fiz um pouco de fotógrafo, com mais sorte que a que tive no casamento dos pais. Nem me quero lembrar de um rolo que parecia não ter fim, por ter ficado solto na máquina. E eu é que era o fotógrafo… oficial.
E já há netos. Uns vivaços, a Mariana e o Francisco, que saem bem aos seus.
Facto é que, a partir de um bilhete para uma récita de ópera, conheci um amigo para a vida. Que me alargou o campo dos afetos: a Matilde, a Zé e demais irmãos, a Ana Teresa, a Catarina, a Madrinha do Asdrúbal, o Ricardo e os pais, o Tiago e os pais e irmã, o Pedro, a Zé e a Caty… e uma miudagem que anima as festas a que não falto, na Eugaria, ou em Galamares, ou na Pontinha.
Parabéns, Asdrúbal. E obrigado pelo muito que te devo.
 

domingo, 6 de outubro de 2013

Venha um Buíça! Já!


Quando ouço este paspalho – estou muito sereno hoje – debitar, palavra a palavra como se fossemos imbecis, o que aí vem sobre o corte nas pensões de sobrevivência, apenas me ocorre, como satisfação possível, imaginar uma bala a entrar-lhe na testa. E continuo a ser misericordioso, que um paspalho assim deveria ser pendurado, nu e untado com mel, junto a vespas, e deixá-lo por lá…
Porque não menos merece quem finge ignorar que, se um casal usufrui de duas reformas – cada membro a sua – têm uma economia doméstica alicerçada naquilo a que fizeram jus depois de uma vida muitas vezes penosa. Por outro lado, com o desaparecimento de um dos membros do casal, as despesas não se reduzem a metade como, por exemplo, são os encargos com a habitação, na forma de renda ou do que haja que suportar com habitação própria. E outros encargos existem que não partem com o cônjuge defunto.
Claro que um finório canalha como é este membro do partido defensor dos pensionistas, calha sempre bem pegar no exemplo de um pensionista com 4.000 euros e que acumula com outros 4.000 euros por conta de uma pensão de sobrevivência, o que diz bem da total ausência de seriedade, aqui substituída pelo mais rasca populismo.
E nem vale a pena lembrar que esta canalhice vem de um ministro de um partido muito empenhado na descida do IRC.
Estamos, infelizmente, num país onde qualquer atrasado mental é ministro e onde falta um Buíça. Porque isto só mesmo a tiro, e tiro certeiro.
 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

As Anas de Campo de Ourique


 
Um tio, um pouco mais velho que eu, trabalhava e morava em Campo de Ourique, num dos muitos quartos alugados por proprietários, ou mesmo inquilinos, daquelas casas de antigamente, onde o espaço sempre sobrava e permitia ganhar um extra, muitas vezes bem considerável. E foi assim que se tornei andarilho em Campo de Ourique, embora residindo nos Olivais. Mas estudava ali perto, no Quelhas.
E muitas foram, a partir de então, as minhas aventuras em Campo de Ourique, particularmente num grupo de rapazes e raparigas estudantes, à volta dos 20 anos, naquelas alturas em que, às escondidas, abordávamos e discutíamos assuntos proibidos se à luz do dia. Com aquela postura de “intelectuais”, em sessões num apartamento da Ferreira Borges, por cima da loja dos Pinheiros, mas também com reuniões em cafés, de que até se lavravam atas para memória futura.
Poucos meses após o 25 de Abril, alguns membros deste grupo sustentam a edição de 13 números da revista Manifesto em que me coube passar por proprietário, embora o financiador do projeto fosse o diretor. Mas ficava mal a acumulação de cargos na ficha técnica.
Pelo livro recupero as bebidas de então – Laranjina C e Canada Dry – assim como o comprimido mais usado no combate das dores de cabeça: o saridon de que recordo ainda a embalagem em chapa metálica.
Claro que estou a passar sobre o livro, sem nada de concreto dizer sobre uma vida sofrida como foi a da Ana de Londres. Mas também é verdade que não sou crítico literário nem coisa que se pareça, e pode muito bem acontecer que se pergunte o que faço aqui, porque falo aqui neste livro da Cristina Carvalho.
Eu digo…


Nesse tempo, exatamente nessa altura, também eu tive uma namorada em Campo de Ourique, de nome Ana (Ana Maria). Não é a mesma Ana cuja vida o livro aborda, mas não deixa de ser igualmente curioso que os pais da Ana de Londres, dados por morando próximo do mercado, serem, assim, vizinhos da minha então namorada que residia com os pais na Rua Tenente Ferreira Durão, ali bem junto ao mercado.
Por vezes os livros têm destas coisas: meterem-se mesmo connosco e, de modo involuntário, obrigarem-nos a ir lá longe, reavivando as nossas memórias: o Értilas, A Tentadora, o Ruacaná, o Brilhantes, o Gigante, o Canas, o cinema Paris, o Jardim da Parada, o Jardim da Estrela, a livraria do Jardim da Parada (não me ocorre o nome) que escondia, para leitores de confiança, livros retirados do mercado pelos censores da época, o Rei dos Bifes onde atacava as iscas com batatas fritas, os pátios… e, claro, a Ana Maria que não era de Londres, nem de Paris, mesmo que parecesse. Mas que era também de Campo de Ourique, como a da Cristina Carvalho.