sexta-feira, 27 de julho de 2012

Leituras em dia: "O Naufrágio do Titanic" - Joseph Conrad

Como eu, também Conrad não entendia a procura que têm estes banais e luxuosos hotéis flutuantes, alguns apenas ao alcance de quem nunca terá vida suficiente para gastar a fortuna ganha ao longo de árduos trabalhos… de terceiros.
Conrad, que foi marinheiro, sabe do que fala quando aborda questões levantadas a propósito do afundanço de um navio considerado inafundável por autoridades marítimas tidas por competentes. Classificação que bem pode ter contribuído para a indisciplina e as falhas de segurança que então se verificaram, e para o facto de o Titanic não dispor de botes salva-vidas suficientes para os passageiros e tripulação que transportava.
A tudo isto, ainda segundo Conrad, não será alheia uma exploração essencialmente mercantilista desta espécie de turismo, onde as opções de luxo e do requinte têm prioridade sobre a prevenção e a segurança.

Quem não tem cão...


Um solário natural a 20 e tal metros de altura a contar da linha de água que corre entre as árvores. Estou sobre uma espécie de praia fluvial. É pró bronze. E resulta.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Na esplanada do Crôa - Praia Grande


Havia um almoço de aniversário ali por aquela zona de afetos, de Galamares a Eugaria. Era 21 de Julho, dia que por duras razões entrou no meu calendário. E passei por aqui, pela esplanada do Crôa, na Praia Grande, saudades à volta. A vida vai.

"É a falta de cultura, estúpido" - Clara Ferreira Alves


"É a falta de cultura, estúpido!

Portugal tem hoje uma pequeníssima elite que consome cultura, quase toda velha e sem sucessores.


Nós merecemos isto. Nós elegemos esta gente. Nós não somos muito diferentes disto. No meio do anedotário que converteria um homem mais inteligente num homem trágico, convém não esquecer o que nos separa, exatamente, do Relvas. Pouco. O dito não é um espécime isolado, um pobre diabo animado de força e disposição para fazer negócios e trepar na vida, que entrou em associações e cambalachos, comprou um curso superior e, de um modo geral, se autoinstituiu em conselheiro do rei. Já vimos isto.


Nunca vimos isto nesta escala, porque na 25ª hora da tragédia nacional, quando Portugal se confronta com a humilhação da venda dos bens preciosos (os famosos ativos) aos colonizados de antanho e seus amigos chineses, o que o país tem para mostrar como elite é pouco. Nada distingue hoje a burguesia do proletariado. Consomem as mesmas revistas do coração, lêem a mesma má literatura (que passa por literatura), vêem a mesma televisão, comovem-se com as mesmas distrações. Uns são ricos, outros pobres.


A elite portuguesa nunca foi estelar, e entre a expulsão dos judeus e a perseguição aos jesuítas, dispersámos a inteligência e adotámos uma apatia interrompida por acasos históricos que geraram alguns estrangeirados ou exilados cultos permanentemente amargos e desesperados com a pátria (Eça, Sena) e alguns heróis isolados ou desconhecidos (Pessoa, 0'Neill).


Em "Memorial do Convento", Saramago dá-nos um retrato da estupidez dos reis mas exalta romanticamente o povo. Todos os artistas comunistas o fizeram, num tempo em que o partido comunista tinha uma elite intelectual e de resistência inspirada por um chefe que, aos 80 anos, quase cego, resolveu traduzir Shakespeare. Cunhal traduzindo o "Rei Lear" de um lado, Relvas posando nas fotografias ao lado da bandeira do outro. Relvas nem personagem de Lobo Antunes, o (descritor da tristeza pós-colonial, chega a ser. É um subproduto de telenovela O tempo dos chefes cultos acabou, e se serve de consolação, não acabou apenas em Portugal.


A cultura de massas ganhou. No mundo pop, multimédia, inculto e narcisista, em que cada estúpido é o busto de si mesmo, a burguesia e o lúmpen distinguem-se na capacidade de fazer dinheiro. Acumular capital. O dinheiro, as discussões em volta do dinheiro acentuadas pela falta de dinheiro, fizeram do proletariado (e desse híbrido chamado classe média) uma massa informe de consumidores que votam. E que consomem democracia, os direitos fundamentais, como consomem televisão, pela imagem. Sócrates e o Armani, Passos Coelho e a voz de festival da canção. Nós, e quando digo nós digo o jornalismo na sua decadência e euforia suicidaria, criámos estas criaturas. Os Relvas, os Seguros, os Passos Coelhos, os amigos deles.


O jornalismo, aterrorizado com a ideia de que a cultura é pesada e de que o mundo tem de ser leve, nivelou a inteligência e a memória pelo mais baixo denominador comum, na esteira das televisões generalistas. Nasceu o avatar da cultura de massas que dá pelo nome de light culfure em oposição à destrinça entre high e low. O artista trabalha para o 'mercado', tal como o jornalista, sujeito ao raring das audiências e dos comentários online.


A brigada iletrada, como lhe chama Martin Amis, venceu. Estão admirados? John Carlin, o sul-africano autor do livro que foi adaptado ao cinema por Clint Eastwood, "Invictus", conta que Nelson Mandela e os homens do ANC, na prisão, discutiam acaloradamente, apaixonadamente, Shakespeare. Foram "Júlio César" ou "Macbeth", "Hamlet" ou "Ricardo III" que os acompanharam. Não é um preciosismo. A literatura, o poder das palavras para descrever e incluir o mundo num sistema coerente de pensamento, é, como a filosofia e a história, tão importante como a física ou a álgebra. A grande mostra da Grã-Bretanha nos Jogos Olímpicos é Shakespeare (no British Museum) e não um dono de supermercados ou futebolista.


Os 'heróis' portugueses descrevem-nos. E descrevem a nossa ignorância Passos Coelho é fotografado à entrada do La Féria ou do casino. Um dono de supermercados ou um esperto ministro reformado são os reservatórios do pensamento nacional. Uma artista plástica é incensada não pela obra mas pela capacidade de "agradar ao mercado", transformando-se, pela manifesta ausência de candidatos, em artista oficial do regime. É assim.


Não teria de ser assim. Portugal tem hoje uma pequeníssima elite que consome cultura quase toda velha e sem sucessores. Não estamos sós. Por esse mundo fora, a arte tornou-se cópia e reprodução (daí a predominância dos grandes copiadores de coisas, os chineses), tornou-se matéria tornou-se consumo. Como bem disse Vargas Iiosa, em vez de discutirmos ideias discutimos comida. A gastronomia é uma nova filosofia. Ferran Adriá é o sucessor de Cervantes e de Ortega Y Gasset."


Cara Ferreira Alves - Expresso - 21-07-2012

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A falta que nos faz Tony Judt

Tony Judt (1948-2010)
“Se 1989 teve a ver com a redescoberta da liberdade, que limites estaremos dispostos a colocar-lhe? Até nas sociedades mais ‘amantes da liberdade’ esta existe com constrangimentos. Mas se aceitamos alguns limites – e fazêmo-lo sempre – porque não outros? Por que razão temos tanta certeza de que algum planeamento, ou o imposto progressivo, ou a propriedade coletiva de bens públicos, são restrições intoleráveis à liberdade, enquanto câmaras de vigilância em circuito fechado, viabilizações estatais de bancos de investimento ‘grande de mais para falir’, telefones sob escuta e guerras dispendiosas no estrangeiro são fardos aceitáveis para um povo livre?”

in Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos” – Tony Judt