segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Estado asfixiante ou as teorias da treta

Eu sou do tempo em que alguém, contra o que a história e a doutrina tinham já consagrado, veio com uma explicação do Estado e da sua natureza que não lembraria ao diabo, mas que ocorreu a académicos acabadinhos de chegar dos EUA.
Segundo eles, a compreensão do Estado, da sua necessidade e da sua natureza, poderia ser explicada com um suponhamos porque, quando a base é fraca, nada como um recorrer a um suponhamos. E havia que supor que existia uma ilha em que a generalidade dos seus habitantes vivia da pesca. E que para a segurança da atividade piscatória, forçoso era que fosse construído um farol. Farol que deveria ser custeado por todos. Mas como obrigar todos a suportar os custos do farol? Pois através da prévia criação do Estado. E pronto, clarinho como a água. A ser assim, o Estado era uma entidade acima de todos e, contrariamente ao que afirmavam os marxistas, jamais um instrumento ao serviço das classes dominantes e que são dominantes exatamente por começarem por dominar o Estado e, desse modo, exercerem um poder sobre as classes mais fracas ou desfavorecidas.
E vem isto a propósito de ainda hoje haver quem teorize ou queira teorizar como se o Estado fosse uma entidade mítica, ainda que se reclame a necessidade da sua reforma, da sua atualização, da sua modernização. Só que tal reforma ou modernização ainda se fará, de novo, de acordo com os interesses das classes dominantes e da sua salvaguarda. Nem valendo a pena fingir que assim não é.
E exemplo disto é o que hoje no Público vem proposto por um jurista barra gestor, certamente habilitado para o que se deve fazer em prol de um Estado de “um país prestigiado e digno não só internamente, como no plano do relacionamento com as outras nações”. Tal e qual.
Para tanto são enunciados 8 objetivos a prosseguir, interessando fixar a ordem por que são enunciados, que isto do seu ordenamento já quer dizer muita coisa.
Em primeiro lugar, o jurista barra gestor, entende se necessário “dotar o país das adequadas condições de segurança para pessoas e bens”, onde eu leio a preocupação com a proteção do costado e da propriedade. E, numa sociedade de classes, fácil é identificarmos os maiores ou exclusivos interessados na plena prossecução deste objetivo, o primeiro enunciado por este teórico.
O sétimo entre os oitos objetivos atesta claramente que há e terá que haver na sociedade um extrato de coitadinhos e quanto aos quais o Estado será magnânimo. De facto, o jurista barra gestor estipula que para eles deverá o Estado Assegurar um nível de subsistência mínimo, fornecendo gratuitamente os cuidados de saúde e o acesso à educação, apenas e só aos manifestamente carenciados e incapazes. Do que há que concluir que para estes, para os coitadinhos, bastará o assistencialismo orientado para “um nível de subsistência mínimo” e, claramente, o fartar vilanagem para os senhores.
Acontece que os coitadinhos dispensam hoje tais atos de misericórdia e caridade na forma das migalhas que caem da mesa dos senhores.
E um Estado verdadeiramente moderno é aquele que propicia a todos as mesmas oportunidades e meios de aceder ao que de mais exigente se possa ter na saúde e na educação. Para falar apenas da saúde e educação. Sem senhores e coitadinhos.
“O Estado asfixiante”, por Miguel Feliz António, Jurista/Gestor
Público de 27-02-2012
 

Sem comentários: