quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Quando falam os banqueiros...

 
Carlos Câmara Pestana - Foto do PÚBLICO
Há 15 anos que não dava uma entrevista em Portugal, de tão caro que é. Mas deu agora uma ao PÚBLICO. Longa, bafienta.
Umas pérolas para que percebamos quanto se perde quando uma boca, boca santa, se cala durante tanto tempo.
“É estéril a discussão sobre se as reformas podem ou não ser alcunhadas de neoliberais. Não é seguramente o modelo socializante, agarrado ao corrimão do Estado, que deu no que deu, que conduz o país ao desejado crescimento do seu produto.”
Tinha que ser: para um membro da Opus Dei, ou o céu, ou o inferno. Para mente mentecapta não existem alternativas a isto, nem mesmo o purgatório.
Sobre a crítica feita à linha de 12 mil milhões de euros de apoio público para recapitalização da banca:
“Essa crítica parte do pressuposto errado de que os apoios são prestados para defender os interesses dos banqueiros e dos acionistas privados dos bancos. Nada de menos verdadeiro e que só é repetido por profunda ignorância ou má fé. Essas capitalizações […] não visaram proteger os banqueiros nem os acionistas dos bancos. Destinaram-se a assegurar o normal funcionamento dos sistemas bancários, essencial nas economias modernas. […]
A natureza dos lucros, exclusivamente destinados a engordar uma minoria, é privada. Mas quando se arruínam em operações especulativas, arrastando as economias nacionais com as suas jogadas de casino, aí já deve ser invocado o interesse público para socorro da corja bancária. Aqui já se justifica o "corrimão do estado".
Como o senhor é chairman do banco Itaú Unibanco, o maior grupo do Brasil e da América Latina, certamente que teria opinião sobre os investimentos feitos pelo Brasil para o campeonato do mundo de futebol e os jogos olímpicos que vêm aí:
“A verdade é que faltam infraestruturas, há carências nos portos e aeroportos, e não há, praticamente, caminho-de-ferro no Brasil. Toda a produção de commodities para exportação da área agrícola circula através de camiões. Não sei se haveria necessidade de tantos estádios de futebol. Mas o futebol é a paixão nacional.”
Chama-se a isto racionalidade económica, na sua vertente apaixonada.
Uma frase destacada pelo PÚBLICO: “A verdade é que a generalidade da população está mal informada.” A explicação é simples: este senhor, Carlos da Câmara Pestana, tido pelo primeiro banqueiro profissional português, membro da Opus Dei, entendeu andar calado 15 anos. Veja-se a falta que nos fez.
 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

... e havia a Missa do Galo


Nesses tempos muito idos, agora estaríamos ainda na Missa do Galo. Antes disso, antes de entrar na igreja, fazia-se um aquecimento na fogueira do adro, fogo alimentado com tocos de madeira, raízes de pinheiros arrancados uns dias antes e transportados até ao adro da Igreja matriz em zorras. Mas houve anos em que havia duas fogueiras, a do adro e a da Carreira, suponho que por causa de rivalidades estabelecidas entre quem habitava no Cimo e no Fundo da vila. E até se chegavam a roubar tocos, às escondidas, pela noite calada, porque havia que garantir que a de cada um era a melhor.
E só depois da missa se passava às doçarias do Natal, em geral modestas, mas nada havia como o Natal com aquelas filhós em leite quente com canela. Antes disso, da Missa do Galo,  era o bacalhau cozido, as couves, as batatas, o azeite, este a usar com parcimónia, pois era o ingrediente mais caro do repasto. Na verdade, na altura, usava-se, a desvalorizar a importância do bacalhau, o dito “para quem é bacalhau basta”. Porque de produto para pobres se tratava, antes de ser consagrado, mais tarde, como iguaria de luxo.
Depois, pela manhã, era altura de ver o que havia, nos sapatos colocados junto ao fogão, sido deixado pelo Menino Jesus, pois na altura ainda não era nascido o Pai Natal. E lá estavam as bolachas, as laranjas (luxo na Beira interior), um par de meias… coisas assim, para o corpo ou para o estômago. Porque longe, muito longe, estava o tempo das play stations e coisas aparentadas, sobretudo porque distantes disso estavam as bolsas dos pais. E ali só contavam os pais, com a ajuda do Menino Jesus, claro.
Mas éramos felizes. Ao ponto de podermos dizer que já não há Natais como aqueles.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

... e havia o "Comércio do Funchal"

Era cor-de-rosa mas apenas no papel em que se escreviam textos que, então, apenas no Comércio do Funchal era possível ler. Um jornal feito na ilha por malta dos vinte e menos anos e que no continente se divulgava de forma militante, particularmente nos meios universitários. Jornal que se assinava e lia como ato de oposição ao regime da altura, como se fazia com o Jornal do Fundão de António Paulouro e o República de Raul Rego. Apesar de a censura ser para todos, estes eram diferentes, ousavam ser diferentes, desafiando permanente os censores, seguidos até onde era possível pelo Diário de Lisboa.
Embora com outros mais colaboradores que fizeram história no jornalismo, Vicente Jorge Silva era a sua alma. E foi no Comércio do Funchal que, certamente, adquiriu o traquejo para mais tarde ser dos principais redatores do Expresso e o primeiro diretor do então jornal de referência que era o PÚBLICO, que depois veio a ser destruído pelo Zé Fernandes de triste memória e que agora é fiel colaborador do merceeiro do Pingo Doce.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Um novo coletor de dízimos

Foto do PÚBLICO
Segundo o PÚBLICO de hoje, foram dezenas os autocarros vindos de todo o país que, lotados, chegaram a VN Gaia para a inauguração de mais um coletor de dízimos da mais que próspera IURD. Uma catedral com 1.600 lugares no auditório principal, 200 lugares no pequeno, cinco pisos de estacionamento subterrâneo, estúdios de televisão e rádio, ecrãs panorâmicos, isolamento sonoro, apartamentos, em 17 mil metros quadrados. Que custou, em tempos de crise, a módica quantia 12 milhões de euros com recurso a crédito bancário – nestes empreendimentos a banca arrisca porque tem fé – crédito a amortizar através de “donativos espontâneos”.
Deus é grande! Aleluia, irmãos.
Agora é só dizimar quem se disponha ao pagamento “espontâneo” do dízimo. E aproveitar a onda. Quanto a isto, indivíduo relacionado familiarmente com alguém da IURD inaugurou no mesmo dia a Cafetaria Divinus já recomendada pelos chefes da seita aos devotos, pois a carne é fraca, e o nome do estabelecimento está conforme as Escrituras.

É a vida. Aleluia!

sábado, 21 de dezembro de 2013

O sócio 626 da SEDES

As cautelas na admissão de sócios pelos órgãos da SEDES eram muitas e compreensíveis. A criação da associação fora permitida contra a vontade dos duros do regime, pelo que todo o cuidado era pouco.
Por isso, quando batemos à porta para entrar para sócios, tivemos que confessar ao que íamos a João Salgueiro e a Magalhães Mota. E passámos no exame.
Pouco depois, no âmbito do mais participado projeto da SEDES antes do 25 de Abril – Portugal para Onde Vais? – integrámos um grupo coordenado por Rui Lopo Mendonça, à volta do cenário “Um outro Socialismo”. E por lá estivemos: eu, o Carlos Alberto Simões, o José Manuel Oliveira Antunes, o José António da Costa Manso, o Rui Branco Delgado, a Isabel Guerra Madaleno… juntamente com outros associados, em reuniões que, segundo o livro “SEDES dossier 73/75”, decorreram entre Outubro de 1973 e princípios de Fevereiro de 1974.
Como estava determinado, os grupos apresentaram um relatório sobre as discussões havidas e as conclusões a que tinham chegado. Seguiu-se uma segunda fase para elaboração das sínteses dos relatórios dos grupos e que serviriam, depois de discutidas, à redação de um relatório final que não chegou a ser submetido à aprovação dos sócios por entretanto ter acontecido o 25 de Abril.
Ficámos por lá um pouco mais, até nos metermos noutra: a revista MANIFESTO, certamente a mais longa e interessante aventura em grupo dos nossos vinte a tal anos de idade.
 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Um canalha na 5 de Outubro


Conheci Crato de outras andanças. Como divulgador científico, como também então conheci o físico Carlos Fiolhais. Em geral em iniciativas promovidas pela Almedina. E ambos desiludiram, quando se meteram noutras águas.
A partir de certa altura Crato é já uma unha com carne com o prestigiado – não sei donde, mas pouco importa – Medina Carreira. Um daqueles que para tudo tem fel e vinagre, mas não adianta uma solução que seja, seja para o que for. E é então que temos Crato com a sua teoria do “eduquês”, contra o facilitismo, num discurso oco, igualmente sem alternativas, tal qual o compadre Medina.
Tinha que chegar a ministro de um merdas de Massamá, que só emporcou uma terra certamente simpática. E assim lixou o tal Santana Castilho que, escrevinhador do programa para a educação, não contava com menos que uma cadeira ministerial. O farsolas ganhou um inimigo, embora Castilho seja tão merdoso como ele, mas ficou com um aldrabão na 5 de Outubro.
Um matemático sem tomates que, depois de muito matutar à volta de uma equação em que interessa identificar o valor da incógnita em que ele mesmo se tornou, chegou à conclusão que 5 anos de atividade permitem a dispensa de uma prova que, dias antes, era para todos. Mas quem não tem tomates, em geral ou sai ou rende-se (vende-se). E Crato vendeu-se a uma UGT igualmente sem espinha – espinha tem a outra Central que um dia teve a ameaça, nunca concretizada, de lhe ser quebrada – e assim provou que isso do facilitismo é uma questão de mais equação, menos equação, seja qual for o número de incógnitas. E valores de solução que podem ir do mais ao menos infinito. Pouco importa.
Por outro lado, a ser verdade o que ouvi, na prova a que quis sujeitar os professores – nada tenho contra a avaliação séria de competências – seria chumbado quem cometesse 10 erros ortográficos. Fónix, mentor da exigência! Na minha 4ª classe eu chumbaria com 4 erros, e 4 sinais mal colocados – ou a sua ausência quando devida – valiam um erro.
Depois disto, ouvir este canalha afirmar que os bons resultados do PISA são consequência do seu combate contra o facilitismo, só merece uma coisa: Crato é um filho da puta, o resto é conversa. Ofensa isto? Só mesmo por facilitismo se pode assumir isso. Cada qual tem o seu eduquês, e Crato merece este meu eduquês.
 

sábado, 14 de dezembro de 2013

Parabéns, Maria Velho da Costa!


Na forma de anúncio, a mensagem no PÚBLICO de ontem era clara: tratava-se de uma “Sessão Pública”, na qual seria entregue a Maria Velho da Costa o prémio “Vida Literária APE/CGD”. E mais: a sessão era “Aberta à participação de todos os interessados”.
Perguntei como era o acesso, se era necessário levantar senha, como por vezes acontece em eventos abertos ao público, certamente para evitar entradas acima da lotação dos espaços. E é então que me é perguntado se tinha convite, se me tinha inscrito. Manifestei a minha estranheza e dei a saber como conheci o evento, publicitado, sem qualquer condição prévia a satisfazer. Perante a minha insistência fui conduzido a uma representante da APE, que me perguntou se era amigo ou familiar e a quem respondi que, mais que isso, era leitor de Maria Velho da Costa. E simpaticamente lá sou conduzido à sala do evento.
Percebi depois o controlo, a necessidade deste controlo. O prémio seria entregue por pessoa cuja presença, se previamente conhecida, me desmobilizaria de forma clara.
E talvez tal presença explique a pouca afluência, sobretudo de pares da escritora, quase nenhuns. Porque não vale tudo, não se aceita tudo, mesmo que o facto de o prémio ter o imprescindível apoio financeiro da CGD obrigue a que se chame ao assunto gente que só por mero protocolo naquilo têm lugar. Porque nada tem a ver com uma escritora como Maria Velho da Costa, ainda que se refiram os tempos da faculdade e a amizade entre a escritora e a presidencial consorte.
Maria Velho da Costa merecia melhor.
Foto minha.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Umas boas pisadelas nos calos de Crato


Extratos do editorial do PÚBLICO de hoje sobre o relatório PISA da OCDE e seus resultados:
O relatório da OCDE mostra que uma escola inclusiva não é necessariamente facilitista” (…) “Em Portugal, prefere-se a ideologia ao pensamento a longo prazo. Algumas das práticas seguidas no período em que em que os indicadores portugueses subiram mais foram abandonadas [pela canalha no poder e em particular por Crato]. No entanto, a evolução dos resultados mostra que o que vinha de trás não era a escola “facilitista” [como Crato teima afirmar], mas uma escola inclusiva e capaz de conduzir a bons resultados. Quando assumiu a pasta da Educação, Nuno Crato contestou as opções do passado em nome de um regresso à exigência. Sendo certo que o PISA não é a única medida de avaliação de um sistema de ensino, ele mostra que as políticas anteriores foram capazes de satisfazer ao mesmo tempo os critérios de exigência e de inclusão”.
Ainda no PÚBLICO de hoje, escreve Rui Tavares: (…) “Na verdade, enquanto Crato e seus acólitos verberaram um suposto “facilitismo” do ensino em Portugal, os nossos resultados PISA melhoravam. Enquanto lamentavam a “terra queimada” na educação, Portugal passava a ser um país que não só aumentava o número de “melhores alunos” como diminuía a distância entre os alunos com melhores e piores resultados. E agora, desde que os inimigos do “eduquês” pegaram nas rédeas da educação, a tendência estagnou-se ou inverteu. Ainda mais expressivo foi o resultado num país que o Governo  costuma citar como seu exemplo, por ter iniciado processos de privatização das escolas: a Suécia. Pois bem, entre os países ricos, a Suécia foi aquele que deu um maior tombo na classificação. O resultado foi recebido com consternação naquele país, e até um ministro liberal teve de conceder que “devíamos ter nacionalizado as escolas quando estivemos no poder”.
Mas o elitista Crato não ligará a estes resultados, a estas conclusões, pois não é mais que um ministro para a sua classe, para os privilegiados. Até que uma pedrada na testa o ponha no sítio, na rua.