quarta-feira, 1 de maio de 2013

Num bem distante 1º de Maio

Uma história milhentas vezes por mim contada, por uma particular razão. Adiante. Era 1º de Maio, dos primeiros celebrados em liberdade. A caminho das celebrações, posto um pé na rua, dois suecos perguntam por um restaurante onde pudessem almoçar. Impossível então: o dia era mesmo do trabalhador e tudo fechava, mesmo na cidade tida, vá lá saber-se porquê, como capital de trabalho. Insistimos perante duas caras desesperadas: que não havia, que não encontrariam qualquer restaurante. Mas tu tinhas uma solução: um convite para subirem, porque alguma coisa se arranjaria. Um horror: dois malucos a convidarem para casa dois desconhecidos estrangeiros, bem postos, mas esfomeados. E não foi fácil convencê-los até ao definitivo: se querem comer, aceitem, caso contrário mantenham a busca do impossível. E lá acabaram por aceitar.
Sobre a mesa são colocados os panados que tinham sobrado, batatas fritas de pacote, uma garrafa de vinho e fruta, perante duas caras embasbacadas, como que tentando adivinhar o que poderia estar por detrás de tão estranha, para eles, simpatia. Mesa posta, e como que a pretexto de votos de bom apetite, pediste-lhes que depois de comerem batessem a porta, pois nós retomaríamos aquilo que estava agendado: as celebrações do 1º de Maio naquela praça frente à CM do Porto. O quê? Ficariam ali sozinhos numa casa estranha, a comer, e depois bastaria bater a porta? Que sim, respondeste, porque a nossa agenda estava feita. E, responderam: se nos roubassem? Não haveria problema, pois a polícia daria conta do recado. Teimámos e, a custo, lá ficaram os dois suecos, na altura em viagem de negócios: compras de tecidos e atoalhados no norte do país, a comercializar por uma cooperativa de grande dimensão.
Aceitámos o convite para um copo no hotel em que se hospedavam na zona da Boavista, no final da manifestação. E lá fomos. A história que envolvia dois loucos, nós, já era conhecida por outros que se encontravam no bar do hotel e foi-nos referida a reação de um escocês: cuidado, vejam com quem se meteram, porque isso é muito estranho. Durante o copo, procurámos saber onde iriam jantar. Pois já sabiam onde. Havia um restaurante aberto na zona - a Cufra, suponho - certamente o único em toda a cidade, certamente com enormes filas de espera. E desafiámos os nossos suecos para um jantar. Foi muito mais fácil agora fazer aceitar o convite.
Cozinhaste uns canelones de carne, saltou uma garrafa para a mesa e recordo que acabámos a bebericar vinho do Porto. Os nossos amigos choravam. Isto que lhe fizeste – porque foi sobretudo mérito teu – nenhum familiar o faria pois, entre eles, quando se convidam, é para um restaurante, pois não é hábito franquear o espaço privado da habitação a ninguém, mesmo se familiares. Eles que tinham boas mobílias, televisão a cores – estávamos ainda com o preto e branco - , bons carros – o Volvo, por exemplo –, boas casas, mas nunca poderiam entre eles experimentar as sensações vividas com dois modestos desconhecidos num país distante e pobre.
Nunca aproveitámos o convite feito para os visitarmos. Mas ficou este gozo enorme de, num dos nossos primeiros primeiro de Maio termos provado a dois suecos que somos capazes de méritos que o dinheiro ou o quer que seja não explica.
Já agora: a foto é do cantinho onde tal se passou. E como tinhas em tempos sugerido que contasse histórias desse cantinho, aqui fica esta. Uma dúvida: não sei se desta vez transportei aos ombros, na manifestação, a querida chatinha… mas quase juro que sim.

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